Continuando a
série de artigos de Julius Evola, na revista Diorama, sobre o significado
sobrenatural da batalha e da via divina do guerreiro, deixamos em baixo a
segunda tradução da mesma, intitulada ‘A Sacralidade da Guerra’, onde são
exploradas antigas conceções das mesmas, nomeadamente da Antiguidade Clássica,
Nórdica e Iraniano-Persa.
Sem demoras,
passemos a palavra ao Mestre.
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No nosso artigo prévio vimos que o fenómeno do
heroísmo guerreiro tem várias modalidades que podem conter significados
fundamentalmente diferentes, como visto do ponto de vista de uma conceção
intencionada a estabelecer os valores da verdadeira espiritualidade.
Resumindo o nosso argumento deste ponto de vista,
devemos começar por indicar algumas conceções relativas às nossas antigas
tradições, as tradições Romanas. Geralmente possui-se apenas a ideia secular
dos valores da antiga Roma. De acordo com esta ideia, o romano era meramente um
soldado, no sentido mais limitado da palavra, e era por intermédio das suas
qualidades guerreiras, junto a uma feliz combinação de circunstâncias, que ele
conquistou o mundo. Esta é uma opinião falsa.
Em primeiro lugar, até ao fim do Império, os
romanos consideraram um artigo de fé que as forças divinas tanto criaram como
protegeram a grandeza de Roma – o Imperium
e a Aeternitas. Aqueles que se querem
limitar ao ponto de vista ‘positivo’ estão obrigados a substituir esta
perceção, profundamente sentida pelos romanos, por um mistério; o mistério,
isto é, de que um punhado de homens, sem quaisquer razões fundamentais, sem
sequer ideias de uma ‘terra’ ou de ‘pátria’, e sem quaisquer dos mitos ou
paixões aos quais os modernos tão voluntariamente deitam mão para justificar a
guerra e promover o heroísmo, avançaram continuamente, mais e mais longe, de um
país para o próximo, seguindo um estranho e irresistível impulso, baseando tudo
numa ‘ascese de poder’. De acordo com o testemunho unânime de todos os autores
Clássicos, os primeiros romanos eram altamente religiosos – nostri maiores religiossimi mortalhes, Sallust
relembra – e Cícero e Aulo Gélio repetem este ponto de vista – mas esta sua
religiosidade não estava confinada a uma esfera abstrata e isolada, mas
permeava a sua experiência na sua totalidade, incluindo nela própria o mundo da
ação, e portanto também o mundo da experiência guerreira.
Um especial colégio sagrado de Roma, o Fecial,
presidia sobre um bem definido sistema de ritos que proporcionavam a contraparte
mística a todas as guerras, desde a sua declaração até à sua conclusão. Mais
genericamente, é incontrovertido que um dos princípios da arte militar dos
romanos requeria deles que não se permitissem entrar em batalha antes de certos
sinais místicos terem definido, por assim dizer, o seu ‘momento’. Por causa das
distorções mentais e dos preconceitos resultantes da educação moderna, a maior
parte das pessoas de hoje estaria naturalmente inclinada para ver nisto uma
superestrutura extrínseca, supersticiosa. Os mais benevolentes poderão ver nela
um fatalismo excêntrico, mas de facto não é nenhum destes conceções. Como
outras disciplinas similares, a essência da arte augural praticada pelo
patriciado romano, aproximadamente com as mesmas características facilmente encontráveis
no ciclo das grandes civilizações Indo-Europeias, não era a descoberta do
‘fates’, que seria então seguido com passividade supersticiosa: antes, era o
conhecimento dos pontos de juntura com influências invisíveis, o uso nas quais as
forças dos homens podiam-se desenvolver, multiplicar e serem guiadas para atuarem
num plano mais elevado, em adição ao do dia-a-dia, levando então – quando a
harmonia era aperfeiçoada – à remoção de todos os obstáculos e de todas as
resistências dentro do evento-complexo que era ao mesmo tempo material e
espiritual. À luz deste conhecimento, não pode ser duvidado de que os valores
romanos, a romana ‘ascese de poder’, possuía necessariamente um aspeto
espiritual e sacral, e que eram consideradas não apenas como um meio para a
grandiosidade militar e temporal, mas também como um meio de contacto e de
ligação com forças sobrenaturais.
Se o fosse apropriado aqui fazer, poderíamos reproduzir
vários materiais conformes a esta tese. No entanto, limitar-nos-emos a
mencionar que a cerimónia do triunfo em Roma tinha um carácter que era muito
mais religioso que militarístico no sentido secular, e que muitos elementos
parecem demostrar que os romanos atribuíam a vitória dos seus líderes menos aos
seus meros atributos humanos do que a uma força transcendente que se manifestava
de modo real e efetivo através deles, do seu heroísmo e por vezes do seu
sacrifício (como no rito do devotio, no
qual os líderes se sacrificavam). O conquistador, na acima mencionada cerimónia
do triunfo, vestia a insígnia do supremo Deus do Capitólio, como se fosse ele próprio
uma imagem divina, e ia em procissão para colocar os láureos triunfais sobre as
mãos deste Deus, como se o último fosse o verdadeiro conquistador.
Finalmente, uma das origens da apoteose triunfal,
isto é, do sentimento que um númen
imortal se encontrava escondido no Imperador, era indubitavelmente a experiência
do guerreiro: o Imperador era originalmente o líder militar, aclamado no campo
de batalha no momento da vitória: neste momento, ele aparecia transfigurado por
uma força dos cimos, terrível e maravilhosa, que impunha precisamente a
impressão do numen. Esta visão,
permita-se-nos acrescentar, não é particular a Roma, mas encontra-se através de
toda a antiguidade Mediterrânica Clássica, e não se restringia aos vencedores da
guerra, mas por vezes também se aplicava aos vencedores dos Jogos Olímpicos e
às sangrentas lutas do circus. Na
Hélade o mito dos heróis emergiu com as doutrinas místicas, como o Orfismo, que
significativamente unia o caráter do guerreiro vitorioso ao do iniciado, que
conquistavam a morte, no mesmo simbolismo.
Estas são indicações precisas de um heroísmo e de um
sistema de valores que se desenvolveram por diversas vias espirituais mais ou
menos conscientes, caminhos santificados não apenas pela gloriosa conquista material
que mediavam, mas também pelo facto de que representavam uma espécie de
evocação ritual envolvendo a conquista do intangível.
Vamos considerar algumas das evidências desta
tradição, a qual, pela sua própria natureza, é metafísica: elementos como a
‘raça’ não podem portanto possuir mais do que um lugar secundário e
contingente. Dizemos isto porque, no nosso próximo artigo, pretendemos lidar
com a ‘guerra santa’ praticada pelos guerreiros do ‘Sacro Império
Romano-Germânico’. Essa civilização, como é bem sabido, representa um ponto de
convergência criativa entre vários componentes: Romano, Cristão e Nórdico.
Já discutimos as características relevantes do
primeiro destes componentes (isto é, o Romano). O componente Cristão aparecerá
com as características de um heroísmo cavaleiresco, supra-nacional, nas
Cruzadas. O componente Nórdico falta ser indicado. Para evitar alarmar os
nossos leitores desnecessariamente, afirmamos à partida que o que agora referimos
tem, essencialmente, um caráter supra-racial, e não é portanto calculado para
encorajar a tomada de posição de quaisquer povos autointitulados de ‘especiais’
contra outros. Para nos limitarmos a uma pista do que aqui queremos excluir,
diremos que, surpreendente que possa parecer, no revivalismo nórdico mais ou
menos frenético que hoje é celebrado, ad
usum delphini, pela Alemanha Nacional Socialista, encontramos
maioritariamente uma deformação e uma vulgarização das tradições nórdicas que
existiram originariamente e como ainda podiam ser encontradas naqueles
príncipes que consideravam ser uma grande honra poderem dizer de si mesmos que
eram Romanos, apesar de partilharam a raça teutónica. Em vez, para muitos
escritores racialistas de hoje, ‘nórdico’ veio a significar anti-romano e
‘romano’ veio a significar, mais ou menos, ‘judeu’.
Tendo dito isso, pensamos ser apropriado reproduzir
esta significativa fórmula de exortação do guerreiro como encontrada na antiga
tradição Celta: ‘Luta pela tua terra e aceita a morte se assim for necessário,
já que a morte é a vitória e a libertação da alma’.
A expressão mors
triumphalis na nossa tradição Clássica corresponde a este conceito. Relativamente
à própria tradição Nórdica, é bem conhecido de todos o aspeto que se relaciona
com o Valhalla, o lugar da imortalidade celestial, reservada à divina estirpe ‘livre’
e aos heróis caídos no campo de batalha (‘Valhalla’ significa literalmente ‘do
palácio dos escolhidos’). O Senhor deste lugar simbólico, Ódin ou Wotan,
aparece no Ynglingasaga como o que,
pelo seu auto-sacrifício simbólico na ‘Árvore do Mundo’, mostrou aos heróis
como chegar à estadia divina, onde eles habitam eternamente num pico luminoso,
que se mantém sob a perpétua luz solar, acima de qualquer nuvem. De acordo com
esta tradição, nenhum sacrifício ou forma de oração era mais apreciada pelo
Deus supremo, e rica em frutos supra-mundanos, que aquela realizada pelo
guerreiro que luta e cai no campo de batalha. Mas isto não é tudo. Os espíritos
dos heróis caídos juntam as suas forças à falange daqueles que assistem os
‘heróis celestiais’ que combatem no Ragnarökk, isto é dizer, o destino do
‘escurecimento do divino’, que, de acordo com esses ensinamentos, e também de
acordo com os Helenos (Hesíodo), tem ameaçado o mundo desde tempos imemoriais.
Veremos este motivo a reaparecer, sob diversas
formas, nas lendas medievais que se relacionam com a ‘última batalha’ que o imperador
imortal lutará. Aqui, para ilustrar a universalidade destes elementos,
apontaremos a similitude entre estas conceções nórdicas (as quais, diga-se de
passagem, Wagner tornou irreconhecíveis por meio do seu preguiçoso e bombástico
romanticismo teutónico característico) e as antigas conceções iranianas e mais
tarde persas. Muitos ficam espantados ao ouvir que as bem conhecidas
Valquírias, que escolhem as almas dos guerreiros destinados ao Valhalla, são
apenas a personificação transcendental de partes dos próprios guerreiros,
partes que encontram o seu equivalente exato nas Fravashi, das quais as tradições
iraniano-persas falam – as Fravashi, também representadas como mulheres de luz
e virgens retumbantes de batalha, que personificam mais ou menos as forças sobrenaturais
pelo meio das quais as naturezas humanas dos guerreiros ‘fieis ao Deus da Luz’
se transfiguram e trazem vitórias terríveis, esmagadoras e sangrentas. A
tradição iraniana também inclui a conceção simbólica de uma figura divina – Mitra,
descrita como o ‘guerreiro que nunca dorme’ – que, à cabeça dos seus fiéis
Fravashi, luta contra os emissários do negro deus até ao retorno do Saoshyant,
Senhor de um futuro reino de paz ‘triunfante’.
Estes elementos da antiga tradição Indo-Europeia,
na qual são recorrentes os motivos da sacralidade da guerra e do herói que não
morre realmente mas que se torna parte de um exército místico numa batalha
cósmica, tiveram um efeito percetível em vários elementos do Cristianismo –
pelo menos naquele Cristianismo que podia realisticamente adotar a divisa: visa est militia super terram, e
reconhecer não apenas a salvação através da humildade, caridade, esperança e o
resto, mas também – ao incluir o elemento heroico do nosso caso – de que ‘o
Reino do Céu pode ser tomado pela força’. É precisamente esta convergência de
motivos que dá nascimento à conceção espiritual da ‘Grande Guerra’ peculiar à
idade medieval, que discutiremos no nosso próximo artigo na ‘Diorama’, onde
lidaremos mais de perto com o aspeto interior, individual, mas não menos pertinente
destes ensinamentos.
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