Monday, March 12, 2018

Wakinyan-Tanka - O Simbolismo da Águia Entre os Peles Vermelhas



Com a devida vénia, deixamos traduzido o ensaio de António Medrano, originalmente publicado na já defunta publicação tradicionalista espanhola 'Graal', sobre a simbologia da Águia na Civilização Índia.

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A tradição dos peles-vermelhas apresenta um interesse especial para todo aquele que, nos nossos dias, busca redescobrir o mais alto património espiritual da humanidade. E isso por duas razões fundamentais: porque se trata de um povo que conservou viva e com relativa integridade, até época recente – quase entrando já no século XX – a espiritualidade solar da idade primordial; e porque, com base nessa sua postura tradicional, sofreu de modo dramático o choque brusco e violento com as formas mais avançadas da civilização moderna, com todas aquelas formas capitalistas e democrático-totalitárias que abarca o rótulo do americanismo.

Quiçá nada revele de modo mais transparente a orientação solar da espiritualidade das antigas populações dos bosques e das pradarias da América do Norte e a digna cultura daqueles ‘selvagens’ aniquilados ao altar do ‘progresso’, que o destacado papel que na sua simbologia contém a figura da águia. A águia: ave guerreira e aristocrática de olhos radiantes e de asas potentes, cujo voo tem algo de régio e sobre-humano; aquela que mira o Sol cara a cara e que na sua ascensão senhorial parece perder-se na sublimidade das alturas; o animal que simboliza do modo mais perfeito a realidade que encerra a expressão raça solar.


A Sombra da Águia

A sombra majestosa que projeta o voo da ave do Sol, cujo mesmo perfil parece ter ficado plasmado nos rasgos faciais da nobre raça da América do Norte, domina toda a sua vida ritual e religiosa. Penas de águia adornam a lança e a cavalgadura de guerra; penas de águia também orlam profusamente o escudo protetor – de forma circular – que o guerreiro carrega no seu braço esquerdo; entre os amuletos que contém os petates de medicina (peça sagrada que cada guerreiro levava como sinal de proteção dos poderes do alto) figuram de modo destacado penas, garras e cabeças de águia: os apitos de guerra dos sioux, que se encontram decorados com uma linha em zig-zag que reproduz a imagem do raio, imitam o guincho que a ave real lança desde o alto dos céus; as penas de águia – e especialmente as da águia dourada (Aquila helíaca1) – constituem o mais alto distintivo por feitos de guerra (na mente de todos estão aqueles grandes adornos de plumas de águia levados pelos grandes chefes, que eram como o halo que coroa uma existência do mais elevado valor heroico); e o calumet ou cachimbo sagrado, símbolo da aliança entre a Divindade e o homem, encontra-se também engalanado com grandes penas da rainha dos céus2.

A utilização de todos estes elementos ornamentais e litúrgicos não é acidental nem caprichosa: há em toda ela uma clara e direta alusão a conteúdos espirituais precisos. A águia, efetivamente, como animal emblemático que representa o princípio solar, como encarnação do valor, da força e da potência, como símbolo do voo em direção ao alto e da majestade que se eleva com serenidade apolínea por cima das coisas terrenas, aparece em todo o momento associada ao espírito do homem, à sua realidade mais íntima. Um indício disto é-nos oferecido pelo alto valor que entre certas tribos norte-americanas reveste a visão da águia no processo de busca do próprio espírito. Como é sabido, na tradição índia todo o indivíduo tem de percorrer um duro caminho ascético até que obtenha a visão de um animal ou objeto natural que, em quanto ‘puro espírito’ (enquanto reflexo de uma realidade transcendente), lhe revele a orientação fundamental do seu ser3. Para os sioux, a contemplação do pássaro do trovão nesta etapa principal e transcendental da vida do homem, é considerada como a honra mais elevada.

Convém aqui aclarar que para a mente índia, como para a de qualquer povo cuja vida se desenvolve na estrutura de uma cultura tradicional, todo o objeto ou ato é símbolo de uma realidade superior. Todo o animal, ser ou força da natureza é portador de um poder, encarnação da uma força suprassensível, reflexo de um princípio metafísico, que o homem pode atrair e realizar no seu ser. É seguramente difícil para uma mente formada (melhor dito , deformada) na civilização moderna, que por definição é anti-simbólica e anti-metafísica, compreender a função e o significado exatos do símbolo para a alma do pele-vermelha; mas acreditamos que a breve exposição que aqui vamos fazer possa ajudar a perceber o seu rico conteúdo e as possibilidades indefinidas que encerra.


Conquista da Força Solar

Entre os iowas a dança de guerra conclui com uma cerimónia final que recebe o nome de Dança da Águia (Há-Kon-E-Crase; mais conhecida por a águia que retorna ao mais alto), na qual os guerreiros, revestidos de indumentárias que reproduzem as formas da ave real e imitando os seus movimentos e os sons que emite, transformam-se internamente em águia; isto é, apoderam-se no seu interior de toda a energia combativa e dominadora dela4. Na mesma Dança do Sol, cerimónia principal da vida religiosa índia, cujo significado de integração solar – que aqui não podemos aclarar – fica claramente expressa em todos os elementos que a integram, reaparece este elemento aquilino: no topo da sagrada árvore central é colocado um ninho de águia e, durante a cerimónia, os guerreiros (que levam coladas a diversas partes do seu corpo penachos da dita ave), fazem soar uns apitos compostos com ossos da mesma.

Simbolismo, todo este, que vem acentuar aquele aspeto de conquista da centralidade solar que constitui a essência do rito: o ninho da águia como recinto – circular, por outro lado – onde se incuba e nasce o reflexo alado do princípio solar, o qual se aproxima do ‘homem santo’ ao elevar o seu espírito ao longo do eixo central na cerimónia sagrada. Não esqueçamos que, de acordo com a conceção índia do universo, cada animal ou objeto é portador de um poder de que o homem se pode assenhorear no seu próprio interior por via analógica5. O ato de fazer ressonar o som agudo do apito poderia interpretar-se neste contexto como um sinal de afirmação no sentido requerido pelo rito, como um expressar com maior ênfase do feito de que tal aproximação do poder da águia se está a operar de modo efetivo, assim como um sinal de atração magnética (em certa medida uma reivindicação espiritual, se esta expressão nos é permitida) das forças suprassensíveis que encarna Wakinyan-Tanka. É como a primitiva e subtil trompeta, tomada das potências do céu, que, ao tempo que apela à descida terrestre de tais potências, desperta, mantem tensas e recolhe, integrando-se em volta da sua chamada, as energias mais profundas do indivíduo nesta ação de conquista espiritual. ‘Quando soprais através do apito – diz Alce Negro – recordem-se sempre que a sua voz é a voz da Águia-gritadeira; o nosso progenitor, Wakan-Tanka, escuta sempre este som, porque, olhem, na realidade é a sua Voz’6.

Por outro lado, e sempre dentro do procedimento ritual da Dança do Sol, penas de águia erguidas – isto é, apontadas ao alto – são fixadas em cada um dos quatro pontos donde o recinto circular em que tem lugar o rito vê-se cortado pela cruz inscrita no mesmo; colocando-se outra pena, arrancada precisamente do peito da ave: -‘no ponto mais próximo do coração, o centro do pássaro sagrado’ – no centro do círculo7. O significado de tudo isto não pode resultar mais claro e sugestivo: a proteção dominadora e integradora do princípio solar à totalidade do ser humano – simbolizado no círculo – e com uma especial força no centro do seu ser, que fica simbólica e misticamente ligado ao centro da encarnação vivente do Sol (há que ter presente que, para a mente índia, a pena da águia vem a representar o raio do astro ígneo central) 8.

Todo este simbolismo adquire o máximo de transparência se o colocamos em relação com o resto dos elementos que integram o rito: o seu próprio nome, Wiwanyag wachipi = dança olhando o sol; o momento em que se efetua o solstício de Verão; a delimitação do recinto no sentido do caminho do Sol; a abertura do mesmo em direção a Este, onde nasce o astro diurno da luz; os ligamentos que unem o dançarino à árvore central, símbolo dos raios solares; o eixo do centro, orientado em direção ao alto, ao sol, etc. O dançarino leva na sua mão, no decurso da cerimónia, penas de águia, com as que imita o voo em direção ao alto da ave de Wakan-Tanka; o qual alude implicitamente ao voo do homem em direção ao centro absoluto do ser, em direção ao princípio metafísico de uma existência imutável e inamovível, cujo signo é o Sol. O dançarino, neste rito – diz Schuon – é como uma águia que voa em direção ao Sol9.

O mesmo simbolismo da águia como veículo do princípio celeste-solar e como sinal da sua conquista reaparece radiante noutros momentos da vida ritual do povo índio. Em numerosas tribos, o aspirante a grande chefe tinha de passar, para além das provas de fogo e de resistência física, outra que consistia na captura com as próprias mãos de uma águia viva; na qual podia ver-se uma lúcida reminiscência da ideia primitiva, própria dos troncos de derivação hiperbórea, da apropriação da dignidade solar pelo homem que há-de encarar o pico do poder10. A mesma ação devia ser levada a cabo por todo o guerreiro que se houvesse tornado digno, por feitos de guerra, do grande penacho a que antes fizemos referência, para obter as plumas necessárias para confecioná-lo11. Dita cerimónia de caça do régio ser alado, que era precedida por determinados ritos de purificação de aplacamento dos ‘espíritos’ do animal vítima, leva implícito um conteúdo simbólico facilmente percetível até para o menos iniciado na ciência da simbologia: trata-se de apoderar direta e afirmativamente daquela forma espiritual que a águia reproduz em grau analógico no estilo vital do seu ser; de um fazer que faça nascer e tome forma no próprio centro o estilo espiritual que a rainha dos céus expressa simbolicamente na sua mirada firme e penetrante, no seu porte majestoso, no seu voo potente e elevado.


O Pássaro do Trovão: Transcendência e Poder

Todo este significado profundo compreender-se-á mais claramente se tivermos em conta o posto que a águia ocupa na cosmologia e na mitologia índias. Nestas, a ave real apresenta-se como a imagem ou representação sensível do Grande Pássaro do trovão (Wakinyan-Tanka), animal sobrenatural oculto atrás das nuvens tormentosas, de cujos olhos surgem os raios e que produz os trovões com o bater das suas gigantescas asas (convém assinalar aqui que nas mitologias antigas, tanto o trovão como o raio são considerados como filhos do Sol)12. Tal Pássaro do Trovão, que é a encarnação da voz do Grande Espírito e que se encontra escoltado por numerosos espíritos menores em forma de águias e falcões, vem a ser, observa Schuon, a figuração de Deus no seu aspeto de Verdade que se revela: aspeto, este, que se encontra refreado pelos símbolos do trovão e do raio, associados em toda a forma tradicional à manifestação da Vontade divina e à Revelação (as nuvens da tormenta = o véu que oculta a Verdade divina e sobrenatural; o raio e o trovão = a manifestação dessa Realidade oculta para os olhos humanos)13. Por outro lado, e num mesmo simbolismo perfeitamente concordante com o anterior, a águia apresenta-se, para o pele-vermelha, como a representação do Sol, e, através deste, do Grande Espírito (já vimos que, na religião das primitivas populações da América do Norte, o Sol apresenta-se como o ser que ocupa o nível supremo na escala de manifestações de Wakan-Tanka).

Com ele, a conceção índia não faz senão reproduzir o princípio latente em toda manifestação espiritual do tronco ário que faz da águia a ave solar por excelência, intimamente associada ao princípio divino e sobrenatural em toda a sua potência: o Sol é concebido pelos índios como uma grande águia; na tradição helénica a águia é o atributo do Zeus olímpico; em Roma aparece como o animal emblemático de Júpiter, o Deus Pai latino, e como elemento central no rito da divinificação dos imperadores; entre os aztecas Tonatiuh, o Sol é invocado com os nomes de resplandecente, a águia que ascende; no Egito o falcão Horus – o falcão, versão norte-africana da águia – apresenta-se como o mensageiro de Rá, o Sol em toda a sua plenitude, que é por sua vez representado com a cabeça de gavião; na mitologia nórdica, Ódin carrega um casco dourado com amplas penas de águia…

Na visão simbólica da natureza própria dos índios das pradarias, a águia é contemplada como a encarnação do Céu, como a projeção do Poder Divino sobre a terra; aparecendo em tal sentido – e apenas em tal sentido – identificada às vezes com a Divindade no seu aspeto de domínio e de majestade14. Atende às minhas súplicas, tu que estás na profundidade do Céu, oh águia de poder!, clama o sacerdote sioux na sua invocação ao Ser Supremo15. Mensageiro de Wakan-Tanka, o monarca dos ares é, como o raio (do qual constitui a materialização corpórea), o laço de união entre a realidade transcendente e o plano terreno. Nas suas amplas e régias penas, que se movem com um ritmo potente e solene, carrega, aos olhos do cavaleiro andante da Grande Pradaria, uma mensagem de mistério espiritual que eleva a alma em direção às regiões do alto, até ao Pai dos Céus.

A águia é a ave que voa mais alto e que tudo observa das alturas: a mais próxima do Céu, em proximidade de Wakan-Tanka. Com as suas asas desdobradas, protege dos seus domínios celestes o círculo sagrado da nação e ajuda a fazer chegar a orações do homem aos ouvidos de Deus16. Igualmente na doutrina simbólica dos antigos povos indo-europeus, a águia comporta em si mesma o espírito dos mortos em direção ao paraíso eterno. É a ideia que expressa o canto da Dança do Espectro: Wanbli Galeshka wana ni he o who e (a águia-gritadeira aproxima-se para me levar com ela)17.

A penugem da águia constitui um sinal de verdade e de imortalidade, de potência espiritual e de homenagem aos poderes do alto: ao mesmo tempo distintivo e sinal que aponta à presença de forças divinas e sobrenaturais no homem. Com esse sentido – e não como simples ornamento folclórico, conforme interpreta a mente moderna – é utilizada pelo pele-vermelha. Apliquei à minha pele uma pena de águia em reverência Àquele Que Está no alto, disse Alce Negro18. A pena da águia faz alusão em todo momento ao sopro do espírito, ao toque do sobrenatural. Aquela que, como vimos algumas linhas acima, vai junta ao calumet, simboliza, nas palavras do wichaska wakan sioux, o Uno, o Grande Espírito em que se unem todas as coisas, Aquele que é como um pai; assim como a ideia de que os pensamentos humanos devem retornar como as águias19. Levar as penas da ave solar equivale a converter-se simbolicamente em águia, apoderar-se da realidade ontológica que a mesma representa; e, através disso, elevar-se às regiões do sobrenatural, identificar-se no Eu real com Wakan-TankaI20.

Este valor transcendente da imagem da águia permite-nos intuir a elevada conceção que da Divindade tem o pele-vermelha: uma conceção solar, celeste e luminosa, régia e potente, autenticamente aristocrática. Uma conceção que eleva o homem e potencia as suas mais altas energias viris, em vez de degradar-lhe e debilitar-lhe a sua masculinidade metafísica, como ocorre naquelas formas de espiritualidade que se encontram dominadas por conceções lunares e telúricas, sensual-sentimentais e democrático-igualitárias.


O Raio, A Rocha e A Flecha

O significado luminoso e solar, com vincada orientação heroica e combativa, que a ave imperial adquire na simbologia índia, encontra-se encapsulada numa antiga lenda das pradarias, que resulta sumamente ilustrativa a este respeito. Nela os pássaros do trovão, que habitam no alto das montanhas – a montanha: símbolo das transcendências e da elevação sagrada – solicitam a ajuda de um grande guerreiro para acabar com o monstruoso dragão negro que em certas alturas irrompe das águas – as águas: símbolo do caos, da desordem das forças elementares – para devorar as suas crias. O nosso dever, dizem as águias ao guerreiro índio, é lutar contra a potência das trevas. Depois de dar morte ao dragão com as flechas radiantes que recebeu das águias21, o herói decide abandonar a sua vida anterior – forma alegórica para indicar a entrega a uma elevada vocação sacra – e dedicar inteiramente a sua existência a matar monstros e a assistir os pássaros do trovão nos seus combates. A partir de então levou uma vida errante, levando consigo as suas flechas mágicas com as quais combate os poderes das trevas22. Na mitologia iroquesa, Hino, guardião do Céu, que defende com as suas flechas de fogo, tem como principal coadjuvante na sua luta contra as potências maléficas e destrutivas Oshadagea, a Grande Águia do Orvalho23. Sempre a águia como símbolo da luz, enquanto força ativa e combativa, enquanto potência espiritual vitoriosa: o mesmo significado que fez deste animal nobre por excelência o símbolo do Império entre os povos ários do Velho Mundo.

Significado heroico, ativo, combativo e vitorioso, que aparece referendado pela associação existente na conceção índia, segundo põe em relevo Schuon, entre o pássaro do trovão e a rocha, ligada em toda a tradição ao simbolismo sacro da imobilidade, imutabilidade e centralidade solares (tanto o espírito do trovão como a rocha, esta última enquanto personificação angélica ou semidivina de um aspeto cósmico de Wakan-Tanka, tem a sua sede no Ocidente, ponto de origem, na geografia sagrada pele-vermelha da chuva, considerada como expressão da Graça divina)24. Enquanto, por um lado, junto à ideia de solidez, de firmeza e de estabilidade espiritual25, a rocha materializa o princípio celeste e luminoso – a pedra como uma manifestação da luz que desde o Céu se projeta sobre a Terra feita de matéria sensível26, por outro, leva implícito um claro significado guerreiro: tenha-se em conta a sua resistência a qualquer tipo de ataque e o seu poder ofensivo e destrutivo (da rocha o índio extrai a matéria para a confeção das suas armas). A este respeito é conveniente sublinhar a relação simbólica que a flecha – arma índia por antonomásia – apresenta tanto com a rocha (sua fonte de origem), como com a águia (a águia, como animal que outorga a flecha, materialização do raio) e com a luz solar (a flecha, como arma característica dos deuses da luz; veja-se, na mitologia iroquesa, as flechas de fogo de Hino)27.

Como toda a alta tradição de origem nórdico-boreal, a águia apresenta-se, pois, na espiritualidade índia como o símbolo da ação divina sobre o mundo; da luz que desde as alturas descende dominadoramente sobre o homem e a terra; da luta contra o caos e as trevas; do combate pela afirmação da ordem e da justiça – na mais ampla, pura e íntegra aceção desta palavra: num sentido cósmico-espiritual, Wakan -, como o sinal da vitória do princípio celeste e solar sobre as potências demoníacas e tenebrosas; da virilidade metafísica, que reflete no plano terreno a Unidade Suprema; do supremo equilíbrio, de uma firmeza que tem o seu fundamento em raízes divinas e eternas. Imagem vivente da transcendência e do poder, de um poder fulminante pela sua mesma pureza e elevação, o sinal de elevação e de poder sobre-humano. É, numa palavra, a encarnação simbólica da suprema força espiritual, imovível e inalterável por cima de tudo, sobrenatural e ultraterrena, que, projetando-se sobre o universo manifestado, atua criadora e destrutivamente, para plasmar a harmonia cósmica (o mesmo simbolismo que encarna o sol com os seus raios luminosos).

Realidade espiritual, herança luminosa e celeste, princípio viril e guerreiro, formam aqui um todo compacto e unitário, que resume de modo perfeito o que significa o ser solar aplicado à realidade humana.


1. Observe-se a alusão ao simbolismo aurífero: o ouro como metal de plena integridade espiritual, como distintivo da espiritualidade primordial e da idade paradisíaca do continente hiperbóreo: assim como a associação do mesmo ao tema solar, concretizado numa das denominações (helíaca), que dita águia recebe.

2. C. Taylor, The Warriors of the Plains, London, 1975, págs. 39-49, 73 e segs.

3. O animal ou coisa objeto da visão vem a ser, em virtude da lei da analogia e em função do seu significado simbólico, um guia supranatural e uma exemplificação da orientação, do estilo da sua personalidade transcendente. Daí que seja um animal ou um objeto o que forneça o nome ao indivíduo (Cavalo Louvo, Alce Águia, Touro Sentado, Nuvem Vermelha, Pássaro Branco, Águia Salpicada, Chuva-na-Cara, etc.; para não citar senão alguns dos nomes dos grandes chefes índios que passaram à história).

4. W. H. Miner, The American Indians North of Mexico, Cambridge, 1917, pág.76.

5. Numa das visões de Alce Negro, os guerreiros que lhe aparecem na mesma cantam ao som de tambores sagrados: ‘Eu não pus uma relíquia de águia… investi-me do poder relampejante’. (J. G. Neihardt, O Alce Negro fala, B. 1971, pág.113).

6. La Sacra Pipa, cit., pág. 95.

7. J. Epes Brown, La Sacra Pipa, Torino, 1970, pág.95.

8. Ibid, pág. 20.

9. F. Schuon, Regards sur les mondes anciens, Paris, 1976, pág. 101.

10. White Horse Eagle, We Indians, London, 1937, pág. 79.

11. J. H. Salomón, Arte e Costumes dos Peles-Vermelhas, Barcelona, 1930, págs. 46 e segs. Contemplando frontalmente o penacho assemelha-se ao halo solar, equiparando-se as penas – as quais, por outro lado, são dispostas em círculo – aos raios luminosos do Sol (nesse sentido, o penacho vem a identificar-se com a coroa de glória que rodeia as cabeças dos deuses, reis e santos no velho continente). A tudo isto há que acrescentar a cor branca dominante no mesmo – o branco: cor solar e polar (continente hiperbóreo = ilha da brancura) - , o qual se encontra acentuado em alguns casos pela presença de pendentes constituídos por peles de arminho, assim como a forma circular que apresenta também na sua base, que encaixa sobre a cabeça do guerreio (a cabeça: sede simbólica da personalidade).

12. A. H. Krappe, La genèse des mythes, Paris, 1952, pág. 171.

13. F. Schuon, The Sacred Pipe of the Red Indians, em Language of the Self, Madras, 1959, pág. 212. Na Bíblia, a revelação de Moisés no Sinai é precedida por trovões, relâmpagos e uma nuvem densa sobre a montanha (Êxodo, XIX, 16). No cristianismo, São João o Evangelista – o mais aristocrático dos evangelistas, como dizia Rosenberg - , cujo símbolo é a águia, é chamado Filho do Trovão.

14. Para Joseph Epes Brown, a função que a águia-gritadeira corresponde na simbologia índia identifica-se com o Buddhi hindu, raio que emana do Atma, Ser Absoluto e Eu Transcendente, chamado o Sol espiritual (La Sacra Pipa, cit., pág.20). Também na Bíblia Deus é representado por vezes sob a imagem majestosa da águia. Para a frase do Génesis: o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas. (I, 2), foi proposta a tradução: batia as asas (peneirava) acima como uma águia (Cf. Sagrada Bíblia. Versión crítica sobre los textos hebreo e griego, por el Ver. P. J. Ma, Bover y F. Cantera Burgos, Madrid, 1957, pág. 33). Como a águia … estende Ele as suas asa, lemos noutro lugar do Velho Testamento (Dt. 31, 11).

15. J. G. Neihardt, obr. cit., pág. 15.

16. J. Epes Brown, La Sacra Pipa, cit. pág. 41.

17. Ibid, pág. 20.

18. J. G. Neihardt, O Alce Negro fala, cit., pág. 165.

19. Ibid, pág. 14.

20. J. Epes Brown, obr. cit., pág. 20.

21. Recordemos que na mitologia greco-romana Júpiter recebe assim mesmo da águia a sua flecha – identificada com o raio – com a qual vence os gigantes; isto é, as forças elementares sublevadas contra o princípio divino.

22. H. R. Rieder, Le folklore des Peaux-Rouges, Paris, 1952, págs. 55 e segs.

23. New Larousse Encyclopedia of Mythology, London, 1975, págs. 429 e segs.

24. F. Schuon, The Sacred Pipe, cit., págs. 212 e segs.

25. Basta recordar o simbolismo da pedra no esoterismo mitraísta e na hermenêutica cristã: a rocha como base da estabilidade da Igreja. Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não poderão contra ela (Mat., 16, 18). No rito sioux da purificação, o homem sentado a ocidente exclama: Oh pedras antigas, Tunkayatapaka, agora estás aqui connosco. Wakan-Tanka criou a Terra e colocou-os juntos d’Ele. As gerações caminharão sobre vós e os seus passos não vacilarão. (La Sacra Pipa, cit., pág. 56).

26. Junto às lendas que falam das pedras caídas do alto – culto pré-histórico aos bétilos sagrados; a Pedra Negra da Kaaba, na tradição islâmica, trazida do Céu pelo anjo Yibril-, temos a conceção da rocha como o resultado de uma petrificação ou cristalização do raio solar (no Egito Rá manifesta-se no obelisco pétreo no Het Benben de Heliópolis; especial importância tem o culto às pedras solares no Próximo Oriente da Antiguidade).

 27. A flecha, assinala o etnólogo Ludwing Reinhardt, é uma arma tipicamente solar: aparece associada a figuras míticas de tipo solar (Apolo, Hércules, etc.), simbolizando o poder penetrante e salvador – ainda que possa atuar destrutivamente – dos raios do Sol (Kulturgeschichte der Menschheit, Munchen, 1913, pág. 655). Sobre o simbolismo solar e poder da flecha Cf. René Guénon, Las armas simbólicas, em Símbolos Fundamentales de la Ciência Sagrada, Buenos Aires, 1969, págs. 156 e segs.

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