Werner Sombart
(1863-1941) será no seio académico económico da Alemanha, um espelho da instabilidade
política, social e financeira que este país viveu durante os finais do século
XIX e a primeira metade do século XX.
Filho de uma
abastada família burguesa da Saxónia, este jurista e economista de profissão, tornou-se
ainda jovem um radical de esquerda de renome que, inclusive, foi considerado
por Engels como o único professor universitário que corretamente interpretava o
‘Das Kapital’.
No decorrer da
sua carreira na Universidade dedicou-se à sociologia política, na esteira do
seu colega e amigo Max Weber, tendo como este focado a sua obra na história do
capitalismo moderno e no entendimento do seu espírito e dos processos que levaram
à primazia desta nova mundividência económica e financeira na Europa coeva.
Em 1901, na
altura em que publica a sua obra de referência, ‘O Capitalismo Moderno’, já se
tinha afastado dos círculos marxistas que frequentava, tendo esta deriva
ideológica acentuado-se durante o período da República de Weimar, que o aproximou
dos meios mais nacionalistas de então. A sua posterior ligação ao regime nazi
foi distante e ambivalente.
Aqui propomos
traduzir do inglês um capítulo do livro que será o mais conhecido nos meios
académicos internacionais, ‘Os Judeus e o Capitalismo Moderno’, de 1911, onde
Sombart retrata a influência dos judeus na criação e desenvolvimento das
instituições capitalistas e, mais importante, perceber as razões porque o
chamado espírito capitalista se conforma tão perfeitamente com as características
do povo judaico.
Um trabalho
académico sério e honesto, em que se tenta não cair na insanidade daqueles que
pretendem não reconhecer o génio judaico, ou admitir sequer uma particularidade
interior a este povo; ou no outro extremo de paranoia daqueles que denunciam
complôs judaicos a cada esquina e que só concebem o sucesso judaico – que,
diga-se, não se restringe apenas ao meio económico – por vias nefárias e
esquemas pérfidos.
Dado o
capítulo em questão – ‘As Características Judaicas’ – ser bastante longo, propomo-nos
dividi-lo em três partes, tendo neste post traduzido apenas a primeira seção, ‘o
Problema’, que esclarece as bases da exposição mais detalhada que virá adiante.
Vivamente
recomendamos a leitura de toda a obra, que é facilmente acessível na internet
em inglês, tanto pelo estilo do autor – sóbrio e direto, como não seria esperar
de um académico alemão – mas sobretudo pelos diversos temas tratados, desde a
evolução das instituições mercantis, ao surgimento do estado capitalista e o
seu contraponto ao estado tradicional que jazia sobre as ruínas da Idade Média,
até à análise detalhadas da diáspora judaica, a uma investigação aprofundada
das características deste povo em diversas modalidades e da sua aptidão para
ocuparem um lugar de primazia no atual estado em que se encontra a Europa e o
mundo ocidental em geral.
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A decisão de lidar num trabalho de caráter
científico com o problema sugerido pelo título do presente capítulo não chegou
sem um grande esforço. Pois ultimamente tem-se tornado uma moda pegar em
qualquer coisa que soe mesmo que remotamente a psicologia de nações como
joguete das disposições dos dilettanti, enquanto
descrições do génio judaico têm sido incensadas como a nova forma de desporto
político pelos espíritos mais grosseiros, cujos rudes instintos não podem senão
ofender todos aqueles que, na nossa época vulgar, têm conseguido preservar um
módico de bom-gosto e de imparcialidade. Fazer malabarismos injustificáveis com
categorias de psicologia de raça já levou à conclusão de que é impossível
chegar a quaisquer resultados científicos neste campo de estudo. Leiam-se os
livros de P. Hertz, Jean Finot e outros e depois de os acabar fica-se com a
sensação de que é uma tentativa fútil a de tenter encontrar características
psicológicas comuns entre qualquer conglomeração de humanos; esse esprit francês é um mito – de facto não
existem franceses, assim como não existem judeus. Mas atravesse-se a rua e eis
que é se confrontado com um tipo específico; leia-se um livro ou observe-se uma
fotografia e quase inconscientemente dir-se-á: quão alemão, quão tão francês!
Será isto apenas uma extravagância da nossa
imaginação?
Julgamos que não. Se pensamos por um momento na
história humana temos de construir para a nossa análise a hipótese de uma
espécie de “alma coletiva”. Quando, por exemplo, falamos da religião judaica
estamos destinados a ligá-la com o povo judeu cujo génio lhe deu nascimento. Ou
quando dizemos que os judeus tiveram uma influência no moderno desenvolvimento
económico, segue-se seguramente que deve existir algo essencialmente judaico
que o trouxe à tona. De outro modo bem podemos afirmar que não teria feito
qualquer diferença para a história económica da Europa Ocidental se os esquimós
tivessem ocupado o lugar dos judeus, ou talvez que até gorilas tivessem tido
resultados igualmente bons!
Este reducito
ad absurdum mostra claramente que devem existir algumas características
especificamente judaicas. Mas deixe-se considerar o assunto de um ponto de
vista ligeiramente diferente. Vamos observar as características objetivas na
aptitude judaica para o capitalismo moderno. Existiu primeiro, como já vimos, a
dispersão dos judeus por uma grande área geográfica. Agora, sem recurso às
forças subjetivas da Diáspora, pouco pode ser explicado como efeito da
Diáspora. E uma coisa é evidente. A dispersão de um povo não provoca por si
mesma resultados económicos ou culturais; não, muito frequentemente a dispersão
leva à fusão e ultimamente ao desaparecimento.
Já foi reclamado – e com razão – que foi a
dispersão dos judeus que os capacitou para se tornarem intermediários.
Concedido, mas também permitiu fazer deles negociantes e conselheiros privados
de príncipes, vocações que têm desde tempos imemoriais sido os trampolins para
postos mais altos? Foram inerentes aos próprios judeus as capacidades
essenciais para estas novas posições?
Admitimos que a dispersão dos judeus foi
responsável por não pouco do seu sucesso no comércio internacional e na banca.
Mas não é o postulado para este sucesso o facto de que os judeus em toda a
parte se mantivessem juntos? O que teria acontecido se, como tantas outras
raças dispersas, eles não tivessem mantido essas ligações de união?
Por fim, não nos esqueçamos que os judeus
apareceram apenas entre os povos que aconteceram encontrarem-se maduros o
suficiente para receber o capitalismo. Mas mesmo assim, se a influência judaica
era forte (e ainda o é) na Holanda, em Inglaterra, na Alemanha, na Áustria-Hungria
– muito maior que a sua influência junto dos espanhóis, italianos, gregos ou
árabes – foi em larga medida devido aos contrastes entre eles e os seus
hóspedes. Já que assim pareceria que quanto mais lento de raciocínio, mais cabeça-dura, mais iletrado em negócios seja um povo,
mais efetiva será a influência judaica na sua vida económica. E pode isto ser
satisfatoriamente justificado exceto através de especiais peculiaridades
judaicas?
Independentemente da origem da sua inata dissemelhança
com os seus hóspedes, o ponto saliente é que esta dissemelhança lhes tivesse
obtido uma influência duradoura na vida económica. Uma vez mais é impossível
imaginar isto sem a assunção de características inerentemente judaicas. Que um
povo ou uma tribo seja detestada ou perseguida não nos fornece razão suficiente
para os motivar para redobrar os esforços nas suas atividades. Pelo contrário,
na maior parte dos casos este desprezo e mau tratamento servem para destruir a
moral e iniciativa. Apenas onde o homem possui qualidades excecionais estas se
tornam, sob a pressão das circunstâncias, a fonte de energia regenerada.
De novo, olhe-se à sua semi-cidadania. Não se
aplica aqui também argumento idêntico? É tão óbvio ao ponto de quase se tornar
num truísmo. Em nenhuma outra parte o judeu gozou das mesmas vantagens que o
seu concidadão, e mesmo assim em todo o lugar eles conquistaram economicamente
muito mais que o resto da população. Apenas pode existir uma explicação para
isto – as características especificamente judaicas.
Por outro lado, a posição legal dos judeus variava
em diferentes países e em alturas diferentes. Em alguns Estados eles eram
permitidos em participar em certos ofícios; noutros estes mesmos ofícios eram-lhes
proibidos; em outros de novo, como em Inglaterra, eles estavam em perfeito pé
de igualdade com o resto da população a este respeito. E mesmo assim eles
devotaram-se quase em toda a parte a vocações específicas. Em Inglaterra e na
América eles iniciaram a sua missão comercial ao tornarem-se comerciantes de
moeda e lojistas. E pode isto ser tomado de outro modo que não seja o apontar
para as suas características peculiares?
Quanto à riqueza dos judeus, tal, apenas e tão só,
é suficiente para explicar os seus grandes feitos na esfera das atividades
económicas. Um homem que possui vastas quantidades deve possuir um número de
qualidades intelectuais, se o seu dinheiro é empregue vantajosamente no sentido
capitalista. Isso seguramente não requer prova.
As características judaicas devem portanto existir.
Resta só descobrir quais são elas.
O nosso primeiro pensamento dos judeus como uma
unidade irá naturalmente ser associado com a sua religião. Mas antes que
procedamos um degrau mais, gostaria de dizer que, por um lado, delimitarei o
grupo agrupado sob a religião judaica, e, por outro lado, vou alargá-lo. Vou
limitá-lo ao apenas considerar os judeus desde a sua expulsão de Espanha e
Portugal, isto é, desde o final da Idade Média. Devo alargá-lo ao incluir no
círculo das minhas observações os descendentes de judeus, mesmo que tenham
deixado a fé.
Além disso, gostaria de tocar nos argumentos que se
insurgem contra a existência de peculiaridades judaicas.
(1) Foi escrito que os judeus da Europa Ocidental e
da América têm-se, em larga medida, assimilado com os povos entre os quais se
movimentam. Isto não necessita ser negado, mesmo que características
especificamente judaicas fossem claras como a luz do dia. Não é possível que
grupos sociais se misturarem? Um homem pode ser alemão, ter todas as características
de um alemão, e mesmo assim ser um indivíduo pertencente ao grupo dito “proletariado
internacional”! Ou tome-se outro exemplo. Não são os suíços-alemães ao mesmo
tempo suíços e alemães?
(2) Os judeus na Diáspora, é mantido, não são uma “nação”
ou um “povo” no comumente aceite significado do termo, já que eles não são uma
comunidade política, cultural ou linguística. A resposta a esta objeção é a de
que existem muitas outras qualificações para além daquelas mencionadas (por
exemplo, uma origem comum) que devem ser consideradas. Mas generalizando, o
melhor será não pressionar uma definição neste momento.
(3) Demasiado tem sido dito sobre as diferenças
entre os próprios judeus. Tem sido dito que não existe homogeneidade entre os
judeus, que uma secção se encontra asperamente oposta à outra. Os judeus
ocidentais são diferentes dos judeus orientais, os sefarditas dos asquenazes, os
ortodoxos dos liberais, o judeu comum do judeu do Sabat (para usar uma
expressão de Marx). Isto também não necessita de ser negado. Mas não impede de
modo algum a possibilidade de características judaicas comuns. É assim tão
difícil conceber círculos dentro de círculos? Não pode um grupo largo conter
grupos menores dentro de si? Pense-se nos muitos grupos ao qual um inglês pode
pertencer. Ele será um católico ou um protestante, um agricultor ou um
professor, um nortenho ou um sulista ou Deus saberá de que outro lugares. Mas
ele mantem-se inglês de qualquer modo. Assim com o judeu. Ele poderá pertencer
a um círculo dentro do todo, poderá possuir certas características que marcam
todos os indivíduos nesse círculo, mas ele reterá de qualquer modo as
características especificamente judaicas.
Finalmente, devo fazer claro que não tenho intenção
de descrever todas as características judaicas. Proponho lidar com apenas
aquelas que tem conexão à vida económica. Não me contentarei com antigas
expressões, tais como o “comercialismo” judeu, o “espírito de negociação” e
outras do mesmo género. Nada direi quanto à prática de alguns de incluir o
desejo pelo lucro como uma característica de um grupo social. O desejo de lucro
é humano – demasiado humano. Na verdade, devo rejeitar todas as prévias
análises da alma judaica (no que respeita à parte económica), e pelas seguintes
razões. Primeiro, para o que os judeus se encontrava tão bem predisposto, tal nunca
foi claramente definido. “Para a troca” é um termo demasiado vago para ser de
qualquer uso. Eu demonstrei portanto, num capítulo especial, o círculo de atividades
económicas para o qual o judeu se encontra particularmente capacitado. Segundo,
a mera descrição não é explicação. Se eu quero provar que um homem tem todas as
capacidades necessárias para o tornar num especulador admirável no mercado de
ações, não será suficiente se eu disser que ele fará um bom ladrão. É como
dizer que a indigência advém da pobreza. No entanto isso é o modo como os
talentos económicos judaicos têm sido tratados. O nosso método será diferente.
Tentaremos descobrir certas propriedades da alma que são congeniais ao
exercício das funções económicas num capitalismo orgânico.
E agora, tendo aclarado o caminho, devo proceder a
demonstrar quais são as verdadeiras peculiaridades judaicas.
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