Não é fácil habitar no Irão. Desde há décadas este
país é o local de variados episódios que testaram as fibras da nação e a capacidade
de resistência do seu povo. Dos anos trinta até aos anos 70, o País foi joguete
nas mãos tanto dos colonizadores britânicos como dos americanos, que viam no
território do antigo Império Persa mero local de exploração económica e mais um
peão no xadrez geopolítico contra as forças soviéticas, provocando crises,
depondo governantes e explorando a belo prazer os recursos naturais, produtivos
e culturais do mesmo.
Os anos 70 assistiram a permanentes convulsões
políticas e sociais causadas pela corrupção do regime do Xá, cuja má-fé e flagrante
servilismo aos grandes poderes mundiais ameaçaram corroer por dentro as
fundações e a identidade do País.
Após a Revolução Islâmica e a inequívoca refundação
do novo regime na sua vocação religiosa, que no Islão encontrava as bases da
manutenção do contacto com o divino, contra todo o tipo de neocolonialismos,
sejam soviéticos ou ocidentais, o Irão foi presa das ambições territoriais
de potências limítrofes, apoiadas pelos tenebrosos Poderes que ainda hoje estão
mandatados a redesenhar o mapa do Médio Oriente a favor do Grande Israel. Uma
guerra de agressão infame e de vergonhosa agressão seguiu-se, com a nação desta
vez a ter de testemunhar, isolada de qualquer apoio internacional de monta, uma
luta armada nas próprias fronteiras e bombardeamentos aéreos às suas principais
cidades. Como se não bastassem as dezenas de milhares de vítimas inocentes e
indefesas de tais agressões cobardes, o povo teve de recorrer ao sangue
martirizado da fina flor da sua juventude e da elite combatente e civil, que
por dever patriótico e divino rumou de livre vontade até às zonas de massacre
com sorriso nos lábios e cara levantada, pois a sua missão era infinitamente
mais elevada do que poderiam conceber as estreitas mentalidades inimigas, que ainda
hoje apenas visionam a ação terrestre se direcionada para poder, riqueza e alargamento
de território.
Com o desagregar do Império Soviético, os tempos
mais recentes significaram para a Nação Iraniana o aumento da pressão Ocidental
sobre o único regime com poder e força capazes de contrabalançar as ambições políticas
e religiosas dos E.U.A. e do Sionismo. As sanções políticas e económicas que tentam
sufocar a médio prazo as instituições e a resiliência das gentes iranianas são
mantidas com o intuito de não permitirem uma vida condigna a uma nação cujo
único crime foi o de querer perseguir o seu destino, na Terra e no Céu. O
isolamento internacional a que o País foi votado, o apoio a elementos
sediciosos dentro e fora do seu território, a incitação à fragmentação
regional, racial e religiosa do mesmo, a militarização e a ocupação dos
seus vizinhos por governos antagonistas, as infames campanhas de ostracismo
internacional dedicadas à diabolização do regime e do seu povo, são tudo fatores
que testam diariamente os iranianos de todas as estações e condições de vida no
intuito de continuarem a perseguir o seu destino de cabeça erguida, em oposição a
todos aqueles que lhes pretendem lançar as sementes da dúvida e da sedição.
E é este mesmo povo que, quando não descrito pelos
traços embotados da caricatura ocidental, aparece ao observador imparcial como
sábio e digno, de postura vertical, orgulhoso da sua história ancestral e recente
e que diariamente recorda os mártires que lhes abriram as vias que hoje
cimentam o país. Religiosos mas não pios, todos homens e mulheres de família e
de valores, inequivocamente orgulhosos e crentes, que recebem de braços abertos
os visitantes e que com indisfarçável orgulho mostram os monumentos da sua história,
os seus locais de culto e o que o Irão tem de melhor, seja em termos de
arquitetura, cultura, ciência, gastronomia, etc. E é este mesmo povo, quando
fora do país, que demonstra uma habilidade inata para ocupar cargos cimeiros
nas áreas da medicina, cultura e ciência nos países hóspedes e onde sempre constitui
esteios de hombridade e de convivência que servem de modelo aos nativos e a
outras comunidades estrangeiras. E mesmo depois das tribulações diárias, dos
problemas que os afligem a si e aos seus, abrem o seu melhor sorriso e convidam
o próximo a sua casa e partilham o que têm, mostrando-se genuinamente
preocupados pelo destino do mundo e especialmente com o dos homens, de qualquer
credo ou condição, pois um povo com uma visão do mundo profundamente religiosa,
como o é o iraniano, não poderia atuar de outro modo.
Com a profunda amizade e dívida de gratidão que
nutro para com as gentes iranianas, parece-me meu dever alertá-las para certas
angústias que determinadas seções populacionais do país parecem nutrir e que
alguns julgam poderem ser satisfeitas se o Irão redirecionar o seu foco numa
‘ocidentalização’ da sua sociedade, pois insistem que cabe ‘abrir’ o país
progressivamente às mesma vias seguidas deste lado do globo.
Primeiro que tudo, cabe mencionar que compreendemos
e simpatizamos com todos os iranianos que desejam melhorar as respetivas condições
económicas e as das suas famílias, que desejam o fim da corrupção governamental
existente ou o fim ao esbanjamento dos bens do erário público. Tais demandas
são mais que legítimas e mostram que o governo iraniano terá que lhes dar
resposta, seja por uma maior transparência na gestão das contas públicas ou seja,
seguindo o exemplo de Ayatollah Khomeini, dando luta sem quartel aos que,
alcandorados a posições de poder, abusam da confiança neles depositada
esquecendo que possuem uma obrigação sagrada de honestidade para com todos os
iranianos. Mesmo descontando a paranoia dos que, levados pela propaganda
ocidental, afirmam que a sociedade iraniana não têm voz – e a prova contrária
foi dada pelas manifestações de rua verificadas e pelos debates acesos levados
a cabo pelos deputados da oposição no próprio parlamento nacional – o governo
iraniano terá de fazer do combate à má-gestão dos fundos públicos e à corrupção
governativa uma das prioridades mais sérias da sua ação política para restaurar
a confiança abalada.
Tendo nós como tubo de ensaio o caso do continente
europeu nos últimos duzentos anos, parece-nos que sendo alguns destes
sentimentos legítimos, quando não corretamente direcionados e integrados num
contexto superior de qual é a estrutura de sociedade que se deseja, conduzirão
o Irão no mesmo caminho que o Ocidente trilha, e onde definha, nos dias que
correm.
Se o desejo de melhorias económicas passa por
instituir o comércio e o lucro como os valores mais elevados pelos quais os homens
estabelecem relações entre si, sem a integração apropriada da religião e de uma
conceção espiritual do ser humano e da sociedade, não será exagerado prever,
especialmente no advento da globalização, que o Irão se tornará em poucas
décadas - no máximo - outro local do mundo em que o protótipo do
homem-negociante tomará as rédeas da sociedade, seja ascendendo às posições de
liderança da política, economia, educação e cultura, seja comprando os
nominativos líderes ou o seu próprio acesso ao poder. Não será de estranhar ver
estabelecido dentro das suas fronteiras um sistema de exploração económica em
que os destinos das massas humanas passarão a estar dependentes dos caprichos de
uns poucos seres que apenas têm na ambição e na ganância os seus guias de
conduta de vida. Os próprios políticos serão homens do mesmo cariz, e apesar de
publicamente afirmarem estarem ao serviço do povo e de Deus, com poderosas
palavras e discursos, em privado servirão os seus verdadeiros guias – o metal e
a ambição. Não será de estranhar se os detentores do capital passarem a não ter
pejo algum em expandir os lucros a qualquer custo, mesmo que tal implique a
deslocalização do trabalho para outras regiões ou países, com pretextos
prontamente justificados pela nova classe educadora e cultural, que afirmará
que os mais recentes abstracionismos teóricos economicistas conduzirão por
certo a sociedade a êxtases coletivos ainda por vir e que os avisos de antanho
- como os dos profetas que alertaram que qualquer teoria ou doutrina sem Deus tão-só
esconde as ambições mais negras dos homens caídos - já não mais se aplicam e
devem ser evitadas. Não será de estranhar que os salários e as poupanças
destinados a alimentar as vossas crianças passem a estar prisioneiros das
especulações financeiras de grandes grupos internacionais, que no Irão verão
não um povo único, dotado de personalidade divina, mas um mero pedaço de terra
onde se agrupam corpos humanos que para eles não possuem mais dignidade que um
mero centro de despesas e de lucros, uma estatística ou um erro de cálculo,
ínfima roda dentada na superestrutura financeira mundial cujo centro é Nova
Iorque e que esconde a sua real face tenebrosa por detrás de sociedades
anónimas e offshore. E se estes afirmam
quererem ver os iranianos vestidos, alimentados e entretidos, tal não se
funda na preocupação pelo verdadeiro bem-estar material, moral e espiritual da
comunidade, mas apenas para poderem continuar a explorar os seus recursos e as suas
gentes. Não será de estranhar que a ambição, a inveja e a cobiça entre irmãos e
vizinhos, hoje ainda envergonhadas, comecem a assomar cada vez mais
descaradamente, até um dia se afirmarem em toda a sua prepotência entre os
vossos filhos e a enfeitar despudoradamente as ações e as feições da maioria de
vós, que não mais saberão que por elas estão dominados e são controlados. Não
será de estranhar se as vossas cidades, hoje ainda adornadas por vestígios
tradicionais e por lembranças do eterno, forem tomadas de assalto por montanhas
de aço e ferro, onde massas humanas se amontoarão tanto a trabalhar como a
habitar, onde o convívio entre vizinhos já não é ditado pelo afeto e pela cortesia
mas pela frieza e desconfiança, onde nos picos do horizonte já não se distinguem
torres de mesquitas ou minaretes, pois estas foram submersas pelas antenas e pelos
novos monumentos de betão e aço que representam a adoração ao novo senhor do
mundo.
Muitos me objetarão que o que se encontra por
detrás das atuais reivindicações é um desejo superior ao económico, pois o que
os iranianos pretendem é mais liberdade e meios de expressar a sua
individualidade sem as restrições e imposições religiosas. Pois permitam que,
com a experiência de viver num país e num continente que erigiu tais
desideratos a estandartes máximos de governação e de mundividência, avisar que tais
intenções, enquanto na primeira geração ainda tomam um caráter tímido, não
encontrarão nas seguintes os mesmos freios que a atual dá por adquiridos,
porque já não os viverão ou, pior, nem conhecerão. Não se pode esquecer
que a liberdade que é usada num contexto sóbrio e tradicional, por seres que
reconhecem um Criador e que têm consciência da sua dívida de gratidão para com os
antepassados e os que hão-de vir, não será do mesmo tipo que a praticada
por seres que deixam de ver nela um meio mas um fim, que desconhecem que ela
deve ser uma consequência e nunca um dado de facto. Os que virão já não mais saberão
que o homem verdadeiramente livre é o que se cumpre interiormente e que se rege
pelos mais estritos códigos, sejam estes externos e internos. Eles só
conhecerão a liberdade exterior e mais superficial, a liberdade mesquinha, que
é a liberdade que por todos pode ser usada da mesma forma, a liberdade das
massas informes, que serve para justificar as ações e as ambições individuais e
coletivas do momento. Esta não é a liberdade como realização, mas a liberdade que
se torna valor em si e aprisiona o homem em correntes invisíveis e, portanto,
ainda mais difíceis de romper que as de um tirano. É a liberdade de dizer e de
fazer o que se julga apetecer no momento sem referência a algo superior, é a
liberdade da ação vazia e perdida, dos que tomam todas as suas ações,
pensamentos e reações como legítimos e dignos de serem escutados e respeitados
pela mesma bitola que as do homem sábio ou do religioso. É esta liberdade que
dá o megafone há muito ambicionado pela rebeldia interior do homem e que o
justifica no que este tem de mais medíocre e vil.
Por experiência própria sabemos que a longo prazo a
liberdade, quando não coartada e limitada por valores de ordem superior, degenera
no caos individual e social, num anarquismo mais próximo de uma colónia de bichos
do que de um agrupamento de seres soberanos e conscientes da sua missão na
Terra. Será esta a liberdade dos que docilmente aceitam como chefe qualquer
tirano que proporcione livre curso ao prazer dos instintos, mas que violentamente
se rebelam contra um soberano divino. A liberdade será a desculpa para dar
vasão aos humores e desejos mais inconfessáveis e rasteiros dos homens e das
mulheres, seja na sua relação consigo seja na sua relação com o próximo. E quando
tais instintos já não encontram no Estado um inimigo declarado que relembra aos
seus cidadãos a missão de a eles dar combate, tal combate encontrar-se-á
limitado ao seio familiar ou de restritos grupos humanos, apenas serão seguidos por
alguns seres, que a médio prazo se tornarão numa exceção e serão olhados de lado
por uma sociedade que os despreza. O cúmulo da perversidade é que esta
liberdade vai-se apresentar sob vestes de imparcialidade - laica,
independente – afirmando não querer impor aos seus novos súbditos qualquer ‘moralidade’
e sob esse pretexto combaterá sem quartel os que cumprem o seu dever de afirmar
valores absolutos.
Tal resultará na imposição de uma nova ordem onde
impera apenas uma ‘moralidade’: a própria de seres amorfos e vazios,
desconhecedores da respetiva natureza divina, pois é por esta classe de homens
caídos que mais facilmente é imposta a nova ética global diabólica que rapidamente
se expande pelos quatro cantos do mundo, e da qual o Irão ainda se encontra
imune, em muitos aspetos. Esta verdadeira colonização será realizada sob roupagens
de slogans apelativos para as massas,
onde palavras encantadas, quais cantos de sereia, hipnotizarão os indivíduos. Mas
não nos enganemos! Este é um novo regime de ocupação, e com objetivos muitos
mais pérfidos que qualquer exército inimigo, pois não pretende apenas a espoliação
material dos iranianos, mas algo muito mais nefasto e irreversível - a espoliação espiritual. Este ‘exército’ é o mesmo que nesta altura já subjugou vastos
territórios humanos e que se insinua não pela via militar, mas pela subjugação
mental do homem por via de conceitos abstratos que o colocam em guerra contra
si mesmo; é um poder sempre estrangeiro onde quer que se estabeleça, pois
despreza tudo o que é viril, elevado e se direciona para cima, pois só assim pode
estabelecer as bases de dominação do seu espírito congénito.
Cremos que o Irão se encontra numa altura crítica
para a sua história. Acreditamos que as tensões que se estabeleceram dentro do
país – principalmente nos seus habitantes, mais do que as causadas pelos
inimigos exteriores declarados – darão azo a breve trecho a consequências que
não podem ser senão as mais distintas. Se a tensão se resolver pela quebra da
vontade coletiva de continuar a contrariar e a dar combate aos elementos
egoístas e subversivos individuais e coletivos da nação, de deixar de
lutar e de passar sacrifícios em defesa do atual Regime Teocrático Iraniano –
objetiva e realisticamente, a única alternativa séria no território à contenção
da subversão – de deixar de fazer do contacto com o divino a razão de ser do
Governo e a base da estruturação da sociedade e das condutas individuais, por
mais ou menos ténues que tais sejam hoje em dia, mais brevemente do que muitos
esperam virá o dia em que as forças diabólicas que ainda não tomaram totalmente
de assalto este país não mais encontrarão um muro de defesa para aí exercerem
total controlo sobre as mentes e as vontades dos seus cidadãos.
Por experiência própria falamos das desgraças que
facilmente – e no fundo, muito provavelmente – se abaterão sobre este país.
Pelas nossas próprias fraquezas e pelas dos nossos antepassados, a maioria
mascaradas de boas-intenções – mas que no fundo nunca deixaram de ser
fraquezas! - convidámos a sentar à nossa mesa inimigos mais ou menos dissimulados,
pensando sempre que os dominaríamos, que os conseguiríamos conter, que não se
demorariam e que não nos afetariam irremediavelmente; que saberíamos utilizar para
nosso proveito e para a melhoria das nossas condições de via. A prova é que o
inimigo mais pernicioso não é o que abertamente declara guerra e faz
cara de mau, mas precisamente o do tipo mais calculista, que se faz de bem-vindo e promete não
abusar – é o inimigo que sorri!
Que o povo iraniano saiba que tem sobre ele os
olhares de uns poucos no mundo ocidental que o admiram verdadeiramente, que por
ele nutrem um grande respeito e veneração e, admitimos sem pudor, mesmo
inveja. Dada o presente clima de crise que paira sobre o Irão, não podemos como
não nos reconhecer nos iranianos e aliarmo-nos ao seu atual modo de governo,
vendo nele algo nobre e uma das poucas luzes de esperança que brilham num mundo
cada vez mais mergulhado no abismo, e que se hoje é considerado radical e
negativo, tal só o é por defeito do mundo e do tipo de homem hoje predominante,
e nunca do Irão. Que os iranianos não se deixem enganar pela grande maioria dos
que hoje, afirmando-se seus aliados, no fundo apenas nutrem desprezo e nojo
pela vossa vocação coletiva. Nos tempos que correm, há que escolher os lados.
Hoje e sempre, orgulhosamente nos afirmamos do lado do Povo Iraniano e do
Ayatollah Khamenei.
como já disse. excelente. tudo o que é preciso ser dito sobre o assunto e sobretudo para aqueles que são muito espertos mas depois não vêem o óbvio ululante.
ReplyDeleteExcelente artigo, com o qual concordo quase inteiramente! Partilho o mesmo sentimento de admiracao pelo povo iraniano, pela sua tradicao e mundividencia. Partilho igualmente o receio perante a sua quase ingenuidade face as pretensas qualidades do mundo ocidental.
ReplyDeleteEstou curioso para ver o que o futuro reserva, receando no entanto uma completa destruicao da civilizacao persa sob o jugo do mundo ocidental.
Abracos varsovianos!