Temos o prazer de deixar abaixo traduzido, do inglês,
o primeiro capítulo da obra maestra de Savitri Devi, "O Raio e o
Sol".
Não tendo conhecimento de qualquer tradução em
português deste livro, esta parece-nos ser uma boa introdução à visão cíclica
da história, comungado no fim de contas por todos os grandes credos mundiais -
com ênfase dado às religiões prévias ao dito monoteísmo que hoje predomina no
Ocidente.
A primeira parte desta obra é composta de 3
capítulos, incluindo o de baixo, e trata de introduzir o leitor, que
não se encontra familiarizado com tal visão cosmogónica, à doutrina das 4
Idades, da qual a presente humanidade se encontra, de momento, na mais
decadente e negra delas – Kali Yuga.
De acordo com a visão Hindu, religião - diríamos
melhor, cosmovisão - a que a autora se converteu ainda jovem, o mundo terrestre
não pode ser dissociado do mundo dito espiritual, comungando dele influências.
Nos casos mais extremos, aparecem na Terra, inclusivamente, seres raros dotados
de influências cósmicas excecionais, que são eles mesmos personificações destas
no seu aspeto mais puro, verdadeiros Deuses na Terra.
Savitri Devi, nas três partes principais do livro, faz
em cada a análise da vida e obra de seres humanos que, segunda a qual, foram as
personificações mais acabadas de que há registo dessas forças cósmicas, que
podem ser de 3 tipos, segunda a doutrina Hindu: a favor do tempo - forças
de carácter destrutivo que ganham cada vez mais força à medida que
nos aproximamos do final do ciclo (Gengis Khan foi a sua personificação mais
acabada); forças acima do tempo, que se encontram acima dos acontecimentos
terrestres, do devir, e estão em permanente contacto com o Absoluto e o Uno
metafísico (Aquenáton, o Faraó da XVII dinastia egípcia que criou um culto
solar e trasladou a capital do Egipto para uma nova capital dedicada à adoração
do Deus Solar, Aton, terá sido o seu incorporador, a par de outras figuras como
Buda ou Jesus Cristo); forças contra o tempo, as forças cósmicas que
representam a influência no domínio terreno da eterna solaridade e pureza
primordial, cuja restauração se acabará por fazer de forma definitiva no período
mais decadente da humanidade - para Savitri Devi, Adolfo Hitler foi a sua
personificação, já que o seu uso de meios tenebrosos para evitar a decadência
em que o mundo caiu com vista a uma restauração de uma Ordem superior só falhou
temporariamente, já que a mesma ideia-força, irá reencarnar ultimamente sob a
figura de Kalki Avatar, o profetizado redentor da Humanidade que na altura
designada - o ponto mais decadente do Kali Yuga - irá restaurar a Idade de Ouro
e eliminar as forças sinistras que só temporariamente poderão declarar vitória.
Recomendamos este livro que tanto pelo lado de
fantástico que as assunções feitas pela chamada “Profetiza de Hitler” - a que
queria fazer de Hitler o que São Paulo fez de Jesus - e pioneira do que mais
tarde veio a ser designado por Nazismo Esotérico, expõe um radicalismo tanto de
visão como de ação que não pode deixar de ser admirado por todos aqueles que
hoje em dia se dizem contra o sistema.
Mais importante ainda, a introdução por uma europeia a
uma visão clara da cosmogonia hindu com uma correspondente crítica sem quartel ao
período que os antigos textos Hindus designam por “Idade do Vício” - cujos
detalhes, que atualmente estão a ser vividos, foram profetizadas em textos
sagrados de há milhares de anos e só chocarão o leitor mais desatento - não
pode deixar de ser salutar, especialmente em relação aqueles que pensam que a verdadeira sabedoria só pode ser encontrada entre Lisboa e Vladivostoque.
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A ideia do progresso – melhoramento indefinido – não é
necessariamente moderna. É provavelmente tão velha como a mais antiga
bem-sucedida tentativa humana de melhorar os seus arredores materiais e de
aumentar, através de capacidade técnica, a sua capacidade de ataque e de
defesa. Capacidade técnica que, pelo menos por muitos séculos, tem sido tão
apreciada como detestada. Quando demonstrada a um grau excecional, tem sido,
mais que uma vez, elogiada como algo divino. Lendas fabulosas têm sempre sido
produzidas, por exemplo, à volta de homens dos quais foi dito terem sido
capazes, por alguns meios, de se terem elevado, fisicamente, acima da terra,
tenha sido Etana de Uruk que subiu aos céus “levado sob as asas da águia” ou o
famoso Ícaro, infeliz predecessor dos nossos modernos aviadores, ou o irmão de
Manco Capac, Auca, do qual foi dito ter sido presenteado com asas “naturais”,
as quais demonstraram não serem melhores que as artificiais de Ícaro.
Mas à parte de tais feitos incríveis de um par de
indivíduos, os Antigos como um todo distinguiram-se em muitos feitos materiais.
Eles podiam-se gabar do sistema de irrigação da Suméria; da construção das
pirâmides, revelando, tanto no Egipto como centénios mais tarde na América Central,
um incrível conhecimento de dados astronómicos; dos banhos e dos escoamentos no
palácio de Cnossos; da invenção do carro de guerra depois da do arco e da
flecha; e da invenção da ampulheta depois da do relógio do sol – suficientes
para os tornar cheios de presunção e com excesso de confiança no destino das
respetivas civilizações.
No entanto, apesar de terem reconhecido totalmente o
valor do seu trabalho no campo prático, e seguramente muito cedo conceberam a
possibilidade – e talvez tenham adquirido a certeza - de um progresso técnico
ilimitado, eles nunca acreditaram no progresso como um todo, num progresso em
todas as frentes, como quase todos os nossos contemporâneos parecem fazer. Da
análise de todas as evidências, eles fielmente agarraram-se à ideia tradicional
da evolução cíclica e tinham, a somar a isso, o bom senso de admitir que viviam
(apesar dos seus feitos) no início do prolongado processo descendente, que
constituía o seu ‘ciclo’ particular – e do nosso. Fossem hindus ou gregos,
egípcios ou japoneses, chineses, sumérios, ou antigos americanos, - ou até
romanos, os mais “modernos” entre os povos da Antiguidade – todos colocavam a
“Idade de Ouro”, a “Idade da Verdade”, o domínio de Cronos ou de Rá, ou de
quaisquer outros Deuses na Terra – o glorioso Começo do lento, descendente
desfraldar da história, qualquer que seja o nome dado – bem atrás deles no
passado.
E eles acreditavam que o retorno de uma Idade similar,
pressagiada nos seus textos sagrados e nas suas tradições orais, dependia, não
do esforço consciente do homem, mas de leis de ferro, inerentes à própria
natureza da manifestação visível e tangível, e que tudo permeavam; de leis
cósmicas. Eles acreditavam que o esforço consciente do homem não é mais do que
a expressão dessas leis em ação, levando o mundo, consciente ou
inconscientemente, onde quer que o seu destino se encontre; numa palavra, a
história do homem, como a história do resto dos seres, não é mais do que um
detalhe da história cósmica sem início ou fim; um resultado periódico da
inerente Necessidade que liga todos os fenómenos no Tempo.
E como os Antigos podiam aceitar a visão da evolução
do mundo enquanto tiravam o máximo partido de todo o progresso técnico ao seu
alcance, também podem – e assim o fazem – até este dia, milhares de homens
criados à sombra de culturas milenares centradas à volta das mesmas visões
tradicionais, e também, mesmo no meio das arrogantes culturas industriais, uns
poucos indivíduos isolados capacitados a pensarem por si próprios. Eles
contemplam a história da humanidade numa perspetiva similar.
Enquanto vivem, aparentemente, como homens e mulheres
“modernos” – usando ventoinhas elétricas e ferros elétricos, telefones e
comboios, e aviões, quando o podem – eles cultivam nos seus corações um desprezo
profundo pela presunção infantil e pelas esperanças inchadas da nossa idade, e
pelas várias receitas para “salvar a humanidade”, as quais filósofos zelosos e
políticos põem em circulação. Eles sabem que nada pode “salvar a humanidade”,
já que a humanidade está a atingir o fim do ciclo presente. A onda que a
carregou, por tantos milénios, está a ponto de rebentar, com toda a fúria da
velocidade acumulada, e de se fundir nas profundezas do Oceano imutável da
existência indiferenciada. Irá ressurgir; de novo, algum dia, com majestade
abrupta, pois tal é a lei das ondas. Mas no entretanto nada pode ser feito para
a parar. Os infelizes – os patetas – são aqueles homens que, por alguma razão
melhor conhecida pelos próprios – provavelmente à conta da sua exagerada estima
por aquilo que se irá perder no processo – gostariam de a parar. Os
privilegiados – os sábios – são aqueles poucos que, enquanto totalmente
conscientes da cada vez maior inutilidade da atual humanidade e do seu muito
aplaudido “progresso”, sabem o quão pouco há para perder na vindoura colisão e
olham com anseio para ela com alegre expetativa como a condição necessária para
um novo começo – uma nova “Idade de Ouro”, cume iluminado da próxima longa
desenhada onda descendente sobre a superfície do Oceano da Vida sem fim.
Para aqueles privilegiados – entre os quais nos
contamos – toda a sucessão dos “correntes eventos” aparece sob uma perspetiva
inteiramente diferente daquela que tanto os crentes desesperados no “progresso”
ou daquelas pessoas que, apesar de aceitarem a visão cíclica da história e
portanto de considerarem o choque vindouro inevitável, sentem pena de verem a
civilização na qual vivem precipitar-se para a sua ruína.
Para nós, os muito-sonantes “ismos” aos quais os
nossos contemporâneos nos pedem para darmos a nossa aliança, agora, em
1948, são todos igualmente fúteis: destinados a serem traídos, derrotados, e
finalmente rejeitados em geral pelos homens; destinados a gozarem, pelo tempo
presente, algum tipo de popularidade sonora; se suficientemente vulgares,
pretensiosos e sem alma para apelarem ao cada vez maior número de escravos
mecanicamente condicionados que rastejam sobre o nosso planeta, fazendo-se de
homens livres; todos destinados a provar serem, finalmente, desprovidos de qualquer
valor. As perenes religiões, a passarem de moda rapidamente à medida que os
“ismos” do nosso tempo se tornam mais e mais populares, não são menos fúteis –
se não mais: estruturas de superstição organizada despidas de todo o verdadeiro
sentimento do Divino, ou – entre as pessoas mais sofisticadas – meros aspetos
convencionais da vida social, ou sistemas de ética (e de éticas muito
elementares), temperadas com borrifos de ritos ultrapassados e de símbolos
cujos significados originais raramente preocupam alguém a buscar o seu
significado original; instrumentos nas mãos de homens inteligentes no poder
para embalarem os simplórios em obediência permanente; nomes convenientes, à
volta dos quais será fácil juntarem aspirações nacionais convergentes ou tendências
políticas; ou serão apenas o último recurso de débeis e caprichosos; isso é,
praticamente, tudo o que eles são – todas a isso foram reduzidas no curso de
poucos séculos – todas elas. Elas estão mortas, de facto – tão mortas como os
antigos cultos que floresceram antes deles, com a diferença de que esses cultos
há muito deixaram de exalar o fedor da morte, enquanto elas (as chamadas
religiões “vivas”) ainda estão no palco na qual a morte é inseparável da
corrupção. Nenhuma – nem Cristianismo, nem Islão e nem ainda Budismo – podem
ser expetáveis de agora “salvar” nada desse mundo que uma vez conquistaram
parcialmente; nenhuma tem qualquer lugar normal na vida “moderna”, a qual é
essencialmente destituída de qualquer noção do eterno.
Não há atividades na vida “moderna” que não são
fúteis, com a exceção talvez daquelas que visam satisfazer a fome do corpo:
produzir arroz; produzir trigo; colher castanhas nos bosques ou batatas num
jardim. E a única política sensata pode ser aquela que deixa as coisas tomarem
o seu curso e esperar o vindouro Destruidor, destinado a aplanar o terreno para
a construção de uma nova “Idade da Verdade”: Aquele cujos Hindus chamam Kalki e
aclamam como a décima e última Incarnação de Vishnu; o Destruidor Cujo advento
é a condição para a preservação da Vida, de acordo com as leis eternas da Vida.
Todos sabemos que tudo isto soará a tolice total para
aqueles, mais e mais numerosos, que, apesar dos indizíveis horrores da nossa
idade, se mantêm convencidos que a humanidade está a “evoluir”. Aparecerá como
cinismo até para muitos daqueles que aceitam a nossa crença na evolução
cíclica, que é a crença universal, tradicional, expressa de forma poética em
todos os textos sagrados do mundo, incluindo a Bíblia. Não temos nada a
responder a este último criticismo, já que é inteiramente baseado numa atitude
emocional que não é a nossa. Mas podemos tentar apontar a vaidade da crença
popular no “progresso”, seja apenas em ordem para salientar a racionalidade e a
força da teoria dos ciclos que forma a estrutura do triplo estudo que é o tema
deste livro.
***
Os proponentes da crença no “progresso” expõem muitos
argumentos para provar – para eles e para os outros – que os nossos tempos, com
todos os inegáveis recuos, são no seu todo melhores que qualquer outra época do
passado, e que inclusive mostram sinais inegáveis de melhoramento. Não é
possível analisar todos os seus argumentos em detalhe. Mas pode-se facilmente
detetar as falácias escondidas nos seus argumentos mais difundidos e,
aparentemente, mais “convincentes”.
Todos os defensores do “progresso” põe um ênfase
enorme em coisas tais como a literacia, a “liberdade” individual, a igualdade
de oportunidades para todos os homens, a tolerância religiosa e a “humanidade”,
no progresso nesta última linha que cobre todas as tendências que encontram a
sua expressão na preocupação moderna pelo bem-estar infantil, reformas
prisionais, melhores condições de trabalho, ajuda estatal aos doentes e
destitutos e, maior bondade, pelo menos num tratamento menos cruel para com os
animais. Os resultados espantosos obtidos, em anos recentes, na aplicação de
descobertas científicas a objetivos industriais e a outras práticas materiais,
são, é claro, os exemplos mais populares destinados a mostrar os quão
maravilhosos são os nossos tempos. Mas esse ponto não o vamos discutir, já que
não queremos de modo algum negar ou minimizar a importância do progresso
técnico. O que de fato negamos é a existência de qualquer progresso
no valor do homem como tal, quer seja individualmente ou coletivamente, e que
as nossas reflexões sobre a alfabetização universal e outras “marcas” altamente
elogiadas de melhoramento sobre as quais os nossos contemporâneos têm tanto
orgulho, todas brotam desse ponto de vista.
Acreditamos que o valor do homem – como ultimamente o
valor de todas as criaturas – não se baseia no mero intelecto mas no espírito:
na capacidade de refletir no que, pela falta de uma palavra mais precisa,
escolhemos por designar “o divino”, isto é, aquilo que é verdade e belo para
além de toda a manifestação, aquilo que se mantém intemporal (e por isso
imutável) dentro de todas as mudanças. Acreditamo-lo com a diferença que, aos
nossos olhos – contrariamente ao que o Cristianismo mantém – a capacidade para
refletir o divino está intimamente ligada com a saúde racial e física do homem;
noutras palavras, que o espírito nunca pode ser algo de independente do corpo.
E falhamos notar que os diferentes melhoramentos que hoje testemunhamos na
educação ou no campo social, na governação ou até em matérias técnicas, não
tornaram nem o homem nem a mulher individual mais valiosos nesse sentido,
ou sequer criaram qualquer tipo de civilização duradoura no qual as
possibilidades do homem de total perfeição, assim concebidas, estejam a ser
promovidas. Os hindus parecem ser, hoje, o único povo que, por tradição,
partilha das nossas visões; e eles têm, no decurso do tempo, falhado em manter
a ordem divina – o comando das castas naturalmente dirigentes. E nós, os únicos
no Oeste que a têm tentado restaurar nos tempos modernos, temos sido arruinados
materialmente pelos agentes dessas forças da falsa igualdade que o mundo
moderno chama de forças do “progresso”.
Progresso? – É verdade que, hoje, pelo menos nos
países altamente organizados (tipicamente “modernos”), quase toda a gente pode
ler e escrever. Mas de que tal vale? Estar capacitado a ler e a escrever é uma
vantagem – e uma considerável. Mas não é uma virtude. É um instrumento e uma
arma; um meio para um fim; uma coisa muito útil, sem dúvida; mas não um fim em
si mesmo. O último valor da literacia depende do fim para a qual é usada. E
para que fim é geralmente usada hoje? É usada por conveniência ou para
entretenimento, por aqueles que leem; para publicidade, ou para qualquer
propaganda objecionável – para fazer dinheiro ou para adquirir poder – por
aqueles que escrevem; por vezes, claro está, por ambos, para adquirirem ou
espalharem conhecimento desinteressado das poucas coisas que têm valor de serem
sabidas; para encontrar expressão ou para dar expressão para os poucos muito
profundos sentimentos que podem elevar o homem à consciencialização das coisas
eternas, mas não mais frequente do que nos dias nos quais um homem entre dez
mil podia compreender o simbolismo da palavra escrita. Geralmente, hoje, o
homem ou a mulher cuja educação compulsória tornou “letrados” usa a escrita
para comunicar assuntos pessoais a amigos ou familiares ausentes, para
preencher formas – uma das ocupações internacionais da moderna civilização humana
– ou para decorar coisas de pequeno uso, e de outro modo insípidas, como o seu
endereço ou número de telefone, ou a data de qualquer marcação com o
cabeleireiro ou com o dentista, ou a lista de roupa lavada para ser levantada
da lavandaria. Ele ou ela lê para “passar o tempo” porque, fora das horas do
lúgubre trabalho, o pensamento não é mais intenso ou interessante o suficiente
para servir tal propósito.
Sabemos que existem também pessoas cujas vidas
inteiras foram direcionadas para um belo destino por um livro, um poema – uma
mera frase – lida na infância distante, como Schliemann, que prodigamente
gastou em escavações arqueológicas a fortuna junta paciente e deliberadamente
durante quarenta anos de lúgubre trabalho, tudo pela impressão causada nele, em
criança, pela história imortal de Troia. Mas tais pessoas sempre viveram, mesmo
antes da educação compulsória se ter tornado moda. E as histórias ouvidas e
relembradas eram não menos inspiradoras que as histórias hoje lidas. A
verdadeira vantagem da alfabetização geral, se alguma, deve ser procurada
noutro lugar. Ela jaz não na melhor qualidade tanto do homem e da mulher
excecional ou dos milhões alfabetizados, mas antes no fato de que os últimos se
estão a tornar rapidamente mais preguiçosos intelectualmente e portanto mais
crédulos do que nunca – e não menos; mais facilmente iludidos, mais permeáveis
a serem guiados como ovelhas sem sequer a sombra de um protesto, desde que o
despropósito que se deseja que eles engulam lhes seja apresentado em forma impressa
e seja feito aparecer como “científico”. Quanto mais alto o grau de literacia,
o mais fácil é, para um governo em controlo da imprensa diária, dos negócios
editoriais ou radiofónicos – os mais irresistíveis modos modernos de ação sobre
a mente – de manter as massas e a “intelligentzia” sob o seu controlo, sem
estes sequer o suspeitarem.
Entre os povos amplamente iletrados mas mais
ativamente pensantes, abertamente governados sob a velha maneira autocrática,
um profeta, megafone direto dos Deuses ou de genuínas aspirações coletivas,
podia sempre aspirar a elevar-se entre autoridade secular e o povo. Os próprios
sacerdotes nunca estavam seguros de conseguir manter para sempre a obediência
do povo. O povo podia escolher escutar o profeta, se tal lhes aprazesse. E
assim o faziam, por vezes. Hoje, onde a alfabetização universal é prevalente,
exponentes inspirados da verdade eterna – os profetas – ou até proponentes
desinteressados de mudanças práticas oportunas, têm menos e menos hipóteses de
aparecer. Pensamento sincero, pensamento realmente livre, pronto, sob o
desígnio da autoridade sobre-humana ou do modesto senso comum, a questionar as
bases do que é oficialmente ensinado e geralmente aceite, é cada vez menos
verosímil de frutificar. É, repetimo-lo, muito mais fácil escravizar um povo
alfabetizado do que um analfabeto, estranho que tal possa parecer à primeira
vista. E a escravatura é mais passível de ser de longa duração. A verdadeira
vantagem da alfabetização universal é o aumento do controlo do poder
governatório sobre os milhões de tolos e presunçosos. Essa é provavelmente a
razão por que é imposto nas nossas cabeças, desde a infância, que a
“alfabetização” é uma tão grande dádiva. E tal foi e sempre será o privilégio
de uma minoria, uma vez reconhecida e respeitada como uma elite natural. Hoje,
a educação massificada compulsória e a literatura cada vez mais estandardizada
para o consumo dos cérebros "condicionados" – sinais de “progresso”
sem igual – tendem a reduzir essa minoria às menores proporções possíveis; em
última análise, para a suprimir totalmente. É isso que a espécie humana quer?
Se sim, a espécie humana está a perder a sua raison d´être, e
o mais cedo possível o fim desta assim chamada “civilização”, o melhor.
O que dissemos sobre a alfabetização pode de grosso
modo ser repetido sobre aquelas outras duas glórias da Democracia moderna:
“liberdade individual” e a igualdade de oportunidades para todas as pessoas. A
primeira é uma mentira – e uma cada vez mais sinistra já que as correntes da
educação compulsória estão a ser cada vez mais inexoravelmente apertadas à
volta de todo o ser dos povos. A segunda é um absurdo.
Uma das inconsistências mais divertidas do cidadão
médio do moderno mundo industrializado é a maneira como ele critica todas as
instituições das mais antigas e melhores civilizações, como o sistema de castas
dos hindus ou o todo-absorvente culto da família do Extremo-Oriente, com base
de estas tenderem a limitar a “liberdade do indivíduo”. Ele não nota o quão
exigente – mais, o quão alienador – é o mandato da autoridade coletiva a que
ele obedece (metade do tempo, sem o saber) comparado com aquele da autoridade
coletiva tradicional, em sociedades aparentemente menos “livres”. Os povos da
Índia e do Extremo Oriente que são dominados pelos sistemas de castas e
familiares podem não ser permitidos tudo o que quiserem, em muitos aspetos
relativamente frívolos e em poucos assuntos realmente importantes da vida
diária. Mas eles são deixados a acreditar no que quiserem, melhor dito, no que
podem; para sentir de acordo com a sua própria natureza e para se expressarem
livremente sobre um grande número de matérias essenciais; eles são permitidos a
conduzir a sua vida mais elevada da maneira que eles julgam a mais sábia para
eles, depois das suas obrigações para a com a família, casta e rei terem sido
cumpridas. O indivíduo que vive sob o comando de ferro e de aço do “progresso”
moderno pode comer aquilo que quiser (em larga medida) e casar quem desejar –
infelizmente! – e ir onde quiser (em teoria, pelo menos).Mas ele é feito
acreditar, em todos os assuntos extra-individuais, – os assuntos que, para nós,
contam realmente – as crenças, a atitude perante a vida, a escala dos valores
e, em grande extensão, as visões políticas, que tendem a robustecer o
todo-poderoso sistema de exploração socioeconómico a que ele pertence (ao qual
ele é obrigado a pertencer, em ordem a ser apto a sobreviver) e do qual é uma
mera roda-dentada. E, ainda, ele é feito acreditar que é um privilégio dele ser
uma roda dentada em tal organismo; que os não importantes assuntos em que ele
sente ser o seu próprio mestre são, de fato, os mais importantes – os únicos
realmente importantes. Ele é ensinado a não valorizar aquela liberdade de
discernimento sobre a verdade última, estética, ética ou metafísica, da qual
ele é sutilmente desprivado. Mais ainda, a ele é dito, - pelo menos nos países
democráticos – que ele é livre em todos os aspetos; que ele “é um indivíduo,
que não presta contas a ninguém a não ser à sua consciência”… depois de anos de
inteligente condicionamento que moldaram tão intensivamente a sua “consciência”
e todo o seu ser de acordo com o padrão, que ele não é mais capaz de reagir de
modo diferente. Bem pode tal homem falar da “pressão sobre o indivíduo” em qualquer
sociedade, antiga ou moderna!
Pode-se perceber a extensão a que a mente dos homens
foi dobrada, tanto deliberadamente como por condicionamento inconsciente, no
mundo em que hoje vivemos, quando nos deparamos com povos que nunca estiveram
sob a influência da civilização industrial, ou quando se é tão sortudo de ter
desafiado, desde a infância, a pressão perniciosa da educação estandardizada e
se ter mantido livre entre a multidão daqueles que reagem como foram ensinados,
em todas as matérias fundamentais. O fosso entre o pensamento e o
não-pensamento, entre os livres e os escravos, é assombroso.
Quanto à “igualdade de oportunidades”, tal coisa não
pode existir de forma alguma, falando propriamente. Ao produzir homens e
mulheres diferentes tanto em grau como em qualidade de inteligência,
sensibilidade e força de vontade, diferentes em carater e temperamento, a
própria Natureza dá-lhes as mais desiguais oportunidades para preencherem as
suas aspirações, quaisquer sejam estas. Uma pessoa fraca e demasiado
emocional nunca pode, por exemplo, conceber o mesmo ideal de felicidade nem ter
as mesmas possibilidades de as atingir em vida, como uma que nasce com uma mais
balançada natureza e uma vontade mais forte. Tal é óbvio. E a acrescentar a
isso as características que diferenciam uma raça de homens a outra, o absurdo
da própria noção de “igualdade humana” torna-se ainda mais notável.
O que os nossos contemporâneos querem dizer quando
falam de “igualdade de oportunidades” é o fato de, na sociedade moderna – assim
o dizem – qualquer homem ou mulher ter, cada vez mais, tantas oportunidades que
o seu ou a sua vizinha de manter a sua posição ou de fazer o trabalho para o
qual ele ou ela é naturalmente capaz. Mas isso é também só parcialmente
verdadeiro. Já que, mais e mais, o mundo de hoje, - o mundo dominado pela
indústria de larga escala e pela produção de massa, - só pode oferecer
trabalhos nos quais o que de melhor há no trabalhador joga uma pequena ou nula
parte se ele ou ela é algo mais que uma pessoa esperta e materialmente
eficiente. O artífice hereditário, que podia encontrar a melhor expressão para
o que convenientemente é chamado a sua “alma” na sua tecelagem, fabrico de
tapetes, laqueagem, etc., até o lavrador do solo, em contacto permanente com a Mãe
Natureza e com o Sol e as estações, torna-se cada vez mais uma figura do
passado. Existem cada vez menos oportunidades, também, para o buscador da
verdade – orador ou escritor – que recusa ser o expositor de ideias comummente
aceites, produtos do condicionamento de massas, os quais ele ou ela não
representa; para o buscador de beleza que recusa dobrar a arte dele ou dela às
demandas do gosto popular que ele ou ela sabem ser de mau gosto. Tais pessoas
têm de perder muito do seu tempo fazendo de forma ineficiente – e de má vontade
– qualquer trabalho para o qual não estão ajustados, em ordem a sobreviver,
antes de poderem devotar o resto dele áquilo a que os hindus chamariam sadhana –
o trabalho para o qual a sua natureza profunda os convocou: a dedicação da sua
vida.
A ideia da moderna divisão do trabalho, condensada na
frequentemente citada frase “o homem certo no lugar certo”, reduz-se, na
prática, ao facto de que qualquer homem – qualquer um dos aborrecidos e
anónimos milhões – pode ser “condicionado” a ocupar qualquer lugar, enquanto os
melhores seres humanos, os únicos que ainda justificam a existência da cada vez
mais degenerativa espécie, não são permitidos qualquer lugar. Progresso…
***
Resta a “tolerância religiosa” dos nossos tempos e a
sua “humanidade” comparada com a “barbárie” do passado. Duas piadas, para dizer
o mínimo!
Relembrado alguns dos maiores horrores da história – a
queima dos “heréticos” e das “bruxas” nas estacas; o total massacre dos
“pagãos” e outras não menos repulsivas manifestações da civilização Cristã na
Europa, na Améria conquistada, e Goa e noutros locais, - o homem moderno
enche-se de orgulho no “progresso” alcançado, numa linha ao menos, desde o fim
das épocas negras do fanatismo religioso. Por tão maus que sejam, os nossos contemporâneos
têm, de todo o modo, ultrapassado o hábito de torturarem por questões tão
“espúrias” como as da conceção da Divina Trindade ou as suas ideias de
predestinação e purgatório. Tal é o sentimento do homem moderno – porque todas
as questões teológicas perderam toda a importância na sua vida. Mas nos dias em
que as Igrejas Cristãs perseguiam e encorajavam a conversão de nações pagãs por
meios de sangue e fogo, tanto os perseguidores como os perseguidos, os Cristãos
e aqueles que se queriam manter fiéis aos credos não-Cristãos, olhavam para
tais questões como as mais vitais, fosse qual fosse o prisma de observação. E a
verdadeira razão porque ninguém é colocado sob tortura, hoje, por razão das
suas crenças religiosas, não é por a tortura se ter tornado de mau gosto para
todos, na civilização “avançada” do século vinte, não é por indivíduos ou
Estados se terem tornado “tolerantes”, mas apenas por, entre aqueles que tem o
poder de infligir dor, quase ninguém tem um vívido e vital interesse em
religião, muito menos em teologia.
A chamada “tolerância religiosa” praticada pelos
Estados modernos e indivíduos brota de tudo menos de um amore e de um
entendimento inteligente por todas as religiões como expressões multidinárias,
simbólicas, dessas mesmas poucas verdades essenciais e eternas – como a
tolerância hindu faz e sempre fez. É, antes, o produto de um rude desprezo
ignorante por todas as religiões; de indiferença para essas mesmas verdades
cujos vários fundadores procuraram reivindicar, uma e outra vez. Não é
tolerância de todo.
Para julgar quanto os nossos contemporâneos têm ou não
o direito de proclamar o seu “espírito de tolerância”, o melhor é observar o
seu comportamento para com aqueles que são olhados como os inimigos dos seus
deuses: os homens que acontece manterem pontos de vista contrários aos seus em
relação não a meras questiúnculas teológicas, nas quais não estão interessados,
mas qualquer Ideologia política ou sociopolítica que eles consideram ser uma
“ameaça à civilização” ou ao “único credo através do qual a civilização pode
ser salva”. Ninguém pode negar que em tais circunstâncias, e especialmente em
tempos de guerra, todas eles praticam – na medida em que têm o poder – ou
condenam – na medida em que não têm, eles próprios, a oportunidade de praticar
– ações em todos os aspetos tão feias como aquelas ordenadas, praticadas ou
toleradas no passado, em nome de diferentes religiões (se de facto as últimas
foram tão vis). A única diferença é, talvez, que as modernas atrocidades
perpetradas a sangue-frio só se tornam conhecidas quando os escondidos poderes
em controlo dos meios de condicionamento do rebanho – da imprensa, da rádio e
do cinema – decidem, com fins tudo menos humanitários, que elas deve ser, isto
é, quando acontece serem as atrocidades do inimigo, não as suas – nem as dos
“galantes aliados” – e quando a sua história é, portanto, considerada “boa
propaganda”, à conta da indignação que é suposta criar e do novo incentivo que
é expetável dar para o esforço de guerra. Mais, depois de uma guerra, lutada ou
supostamente lutada por uma Ideologia – o moderno equivalente dos amargos
antigos conflitos religiosos – os horrores que, bem ou mal, são supostos terem
sido perpetrados pelos conquistados são os únicos que são transmitidos por todo
o mundo, enquanto os vitoriosos tentam tão arduamente quanto podem fazer
acreditar que o seu Alto Comando pelo menos nunca fechou os olhos a quaisquer
horrores similares. Mas na Europa do século dezasseis, e antes, e entre os
guerreiros do Islão, conduzir “jihad” contra homens de outras fés, cada lado
estava bem consciente dos meios atrozes usados, não apenas pelos seus oponentes
com vista a alcançar os seus “fins imundos”, mas pelas suas próprias populações
e pelos seus próprios líderes com vista a “extirpar a heresia” ou para “lutar o
papado”, ou para “pregar o nome de Alá aos infiéis”. O homem moderno é mais um
covarde moral. Ele quer as vantagens da intolerância violenta – o que é apenas
natural – mas repudia a responsabilidade da mesma. Progresso, isso também.
***
A tão chamada “humanidade” dos nossos contemporâneos
(comparada com a dos seus antepassados) é apenas falta de nervo ou falta de
sentimentos fortes – cobardia crescente, ou apatia crescente.
O homem moderno é melindroso relativamente a atrocidades
– até em relação à brutalidade ordinária e prosaica – apenas quando acontece
que os objetivos para as quais as atrocidades ou as meras ações brutais
praticadas são detestáveis ou indiferentes para ele. Em todas as outras
circunstâncias, ele fecha os olhos a quaisquer horrores – especialmente quando
sabe que as vítimas nunca poderão retaliar (como é o caso com todas as
atrocidades cometidas pelo homem sobre os animais, por qualquer propósito que
seja) e ele exige, ao menos, não ser relembrado deles demasiado frequentemente
ou sonoramente. Ele reage como se classificasse as atrocidades sob 2 títulos:
as “inevitáveis” e as evitáveis. As “inevitáveis” são aqueles que servem ou
supostamente servem o propósito do homem moderno – geralmente: “o bom da
humanidade” ou o “triunfo da Democracia”. Elas são toleradas, não,
justificadas. As “evitáveis” são aquelas que são ocasionalmente cometidas, ou
dizem ser cometidas, por pessoas cujo propósito é estranho ao dele. Elas apenas
são condenadas, e os seus autores reais ou supostos – ou inspiradores – são
considerados pela opinião pública como “criminosos contra a humanidade”.
Quais são, afinal, os alegados sinais dessa “humanidade” deslumbrante do
homem moderno, de acordo com aqueles que acreditam no progresso? Hoje já não
temos – dizem – as horríficas execuções de tempos passados; os traidores já não
são
“pendurados, esticados e esquartejados”, como era o costume na gloriosa
Inglaterra do século dezasseis; algo que se aproxime em desgraça à tortura e à
execução de François Damien, na praça central de Paris, em frente a milhares de
pessoas que de propósito vieram para assistir, no dia 28 de Maio, 1757, seriam
impensáveis na França moderna. O homem moderno também já não defende a
escravatura, nem justifica (em teoria, pelo menos) a exploração das massas sob
qualquer outra forma. E as suas guerras – até as suas guerras!, monstruosas que
possam parecer, com o seu elaborado aparato de custosa maquinaria diabólica –
estão a começar a admitir, dentro do seu código, (assim se diz) alguma
quantidade de humanidade e de justiça. O homem moderno horroriza-se ao mero
pensamento dos hábitos de guerra dos povos antigos – ao sacrifício de doze
jovens troianos à sombra do herói grego Pátroclo, para não falar dos menos
antigos mas mais atrozes sacrifícios de prisioneiros de guerra ao deus da
guerra azteca Huitzilopochtili. (Mas os aztecas, apesar de relativamente
modernos, não eram Cristãos, nem, quanto sabemos, crentes no todo-envolvente
progresso. Finalmente, diz-se, o homem moderno é mais gentil, menos cruel, para
os animais que os seus antepassados foram.
Apenas um enorme preconceito a favor dos nossos tempos
pode permitir que se seja levado por tais falácias.
Seguramente que o homem moderno não “defende” a
escravatura; ele denuncia-a veementemente. Mas ele pratica-a no entanto – e
numa escala maior que nunca, e muito mais intensamente que os Antigos o podiam
– seja no Oeste capitalista ou nos Trópicos, ou (pelo que se ouve fora de muros
impenetráveis) mesmo no Estado que é suposto ser, hoje, o “paraíso dos
trabalhadores”. Há diferenças, é claro. Na Antiguidade, mesmo o escravo tinha
horas de lazer e de divertimento que eram só dele; ele tinha os seus jogos de
dados sob a sombra das colunas do pórtico do seu senhor, as suas piadas rudes,
a sua tagarelice livre, a sua vida fora da sua rotina diária. O escravo moderno
não tem o privilégio da indolência, completamente despreocupada, por meia hora
que seja. O seu chamado ócio ou é preenchido com entretenimento quase
compulsório, tão exigente e frequentemente sombrio como o seu trabalho, ou – em
“terras de liberdade” – é envenenado por preocupações económicas. Mas ele não é
abertamente comprado e vendido. Ele é apenas controlado. E controlado, não por
um homem de algum modo pelo menos superior a si próprio, mas por um enorme
sistema impessoal tanto sem um corpo para pontapear ou uma alma para condenar
ou uma cabeça para responder pela sua travessura.
E similarmente, os antigos horrores desapareceram sem
dúvida dos registos da assim chamada humanidade civilizada, relativamente tanto
à justiça como à guerra. Mas novos e piores horrores, desconhecidos das épocas
“bárbaras”, foram surgindo no seu lugar. Um único exemplo será sinistramente
suficiente para bastar. O longo arrastado julgamento, não de criminosos, não de
traidores, não de regicidas, não de feiticeiros, mas dos melhores personagens
líderes da Europa, as suas condenações iníquas, depois de meses e meses de todo
o tipo de humilhação e de sistemática tortura moral; o seu enforcamento final,
da maneira mais lenta e cruel possível – toda essa farsa sinistra, organizada
em Nuremberga em 1945-1946 (e 1947) por um bando de cobardes vitoriosos e
hipócritas, é imensuravelmente mais detestável do que todos os sacrifícios
humanos pós-guerra do passado juntos num, incluindo aqueles executados de
acordo com o bem-conhecido ritual mexicano. Aí, pelo menos, por muito doloroso
que fosse o tradicional processo de assassinato, as vítimas eram alegremente
entregues à morte para o deleite do deus tribal dos vitoriosos e dos próprios
vitoriosos, sem qualquer macabra falsa pretensão de “justiça”. Eles eram, ainda
pior, tomados de todas as categorias de guerreiros capturados, não apenas
malignamente selecionados da elite do seu povo. Nem a elite dos povos conquistados
representava, na maior parte dos casos – como aconteceu no vergonhoso
julgamento dos nossos tempos progressivos - a mesma elite do seu continente.
Quanto a tais atrocidades impensáveis que tiveram
lugar em França e Espanha, e muitos outros países, desde a Idade Média,
poder-se-iam encontrar um número considerável de episódios da recente guerra
civil espanhola – para não mencionar a não menos expressiva lista de horrores
executados, ainda mais recentemente, pelos “heróis” da résistance francesa,
durante a Segunda Guerra Mundial – para igualá-los e, na maior parte dos casos,
para superá-los.
E, bastante curioso – apesar de (dizem eles)
“detestarem tais coisas” – um número considerável de homens e mulheres de hoje,
enquanto lhes falta a coragem para cometar tais atos pessoalmente, parecem
estar interessados como sempre em observá-los a serem levados a cabo ou, pelo
menos, pensá-los e elogiá-los, e disfrutá-los indiretamente, se negado o prazer
mórbido de os observar. Tais são as pessoas que, na Inglaterra moderna, se
juntam às portas da prisão quando um homem está prestes a ser enforcado,
esperando Deus sabe lá que tipo de excitação do mero facto de ler o anúncio de
que “justiça foi feita” – pessoas que, apenas lhes sendo dado uma oportunidade,
correriam para ver uma execução pública, não, uma queima pública de bruxas e de
heréticos, sem dúvida tão rapidamente como os seus antepassados o teriam feito.
Tais são também os milhões de populares, agora “civilizados” e aparentemente
meigos, que se revelam à própria luz assim que uma guerra deflagra, isto é,
logo se sentem encorajados a demonstrar o mais repulsivo tipo de imaginação em
competições descritivas do tipo de tortura que todos eles infligiriam sobre os
líderes dos inimigos, caso ele – ou mais vulgarmente ela – tivesse mão livre.
Tais são, no fundo, todos aqueles que se regozijam no sofrimento do inimigo
caído depois da guerra vitoriosa. E também são milhões: milhões de selvagens
vicariantes, maldosos como ao mesmo tempo cruéis – inviris – cujos soldados das
chamadas idades “bárbaras” teriam desprezado completamente.
***
Mas mais cobarde e hipócrita, talvez, que alguma outra
coisa, é o comportamento “progressivo” do homem moderno em relação à Natureza
viva, e em particular ao reino animal. Disso eu já falei longamente noutro
livro, e devo, portanto, aqui, contentar-me em sublinhar alguns factos.
O homem primitivo – e, amiúde, o homem cuja civilização
pitoresca é tudo menos “moderna” – é mau o suficiente, é verdade, no que
concerne ao tratamento dos animais. Basta viajar aos menos industrializados
países do Sul da Europa, ou para o Próximo e Médio Oriente, para adquirir uma
certeza muito definitiva quanto a este ponto. E nem todos os líderes modernos
foram igualmente bem-sucedidos em pôr fim às antigas crueldades aos animais,
seja no Oriente ou no Ocidente. Gandhi não conseguiu, em nome da tal caridade
universal que ele pregava repetidamente como dogma da sua fé, evitar que
leiteiros hindus esfomeassem bezerros machos até à morte, com o objetivo de
vender uns poucos litros extra de leite de vaca. Mussolini não conseguiu
detetar e perseguir todos esses italianos que, mesmo sob o seu governo,
insistiam no detestável hábito de depenar galinhas vivas com base no ditado de
que “ as penas assim saem mais facilmente”. Não há modo de fugir do facto de
que a caridade para com os animais a uma escala nacional não depende
ultimamente do ensinamento de qualquer sobreposto ensinamento ou filosofia. É
uma das características distintivas das raças verdadeiramente superiores. E
nenhuma alquimia religiosa, filosófica ou política pode tornar metal base em
ouro.
Isto não significa que um bom ensinamento não pode
ajudar a trazer o melhor de cada raça, bem como de todo o homem ou mulher
individual. Mas a moderna civilização industrial, na medida em que é centrada
no homem – não controlada por qualquer inspiração super-humana, de ordem
cósmica – e tende a vincar a quantidade em vez da qualidade, produção e
riqueza, em vez do caráter ou do valor inerente, é tudo menos congenial ao
desenvolvimento de bondade consistente universal, mesmo entre os melhores
povos. Esconde a crueldade. Nada faz para suprimi-la, ou ainda para diminuí-la.
Desculpa, não, exalta qualquer atrocidade sobre os animais, que acontece estar
direta ou indiretamente ligada com o enriquecimento, dos horrores diários dos
matadouros ao martírio dos animais às mãos do treinador de circo, ao caçador
(e, também, muito frequentemente, do negociante de peles, no caso de animais de
pelo) e do vivisseccionista. Naturalmente, o “mais elevado” interesse dos seres
humanos é proposto como uma justificação – sem as pessoas repararem que a
humanidade que está pronta para comprar divertimento ou luxo, “comida
deliciosa”, e até informação científica ou meios de curar os doentes a qualquer
custo, como tal, não mais é digna de viver. O facto mantém-se que nunca houve
mais degenerescência e mais doenças de todos os tipos entre os homens, do que
no neste mundo de compulsória ou quase compulsória vacinação e inoculação; este
mundo que exalta criminosos contra a Vida – torturadores de criaturas vivas
inocentes para objetivos do homem, como Louis Pasteur – à categoria de
“grandes” homens, enquanto condenam os realmente grandes que lutaram para
vincar a hierarquia sagrada das raças humanas antes e acima da demasiado
enfatizada e, de qualquer modo, óbvia, hierarquia dos seres, e os que,
incidentalmente, construíram o único Estado no Ocidente cujas leis para a
proteção das criaturas indefesas relembrava, pela primeira vez depois de
séculos (e na medida possível num moderno país industrial de clima frio) os
decretos do Imperador Asoka e de Harshavardhana.
Tal mundo bem pode vangloriar-se da sua brandura dócil
para cães e gatos de eleição ou para os animais domésticos em geral, enquanto
tenta esquecer (e fazer que melhores civilizações esqueçam) o facto odioso de
que milhões de criaturas são vivissecadas anualmente, apenas no Reino Unido.
Não nos pode fazer esquecer os escondidos horrores e convencer-nos do seu
“progresso” na gentileza para com os animais, não mais do que a sua crescente
gentileza para com as pessoas “independentemente do seu credo”. Recusamos ver
em tal algo diferente do que a mais negra evidência viva daquilo que os hindus
caracterizaram desde tempo imemorial como “Kali Yuga” – a “Idade Escura”; a Era
das Trevas; a última (e, felizmente, a mais curta) subdivisão do presente Ciclo
da história. Não há esperança de “endireitar as coisas” em tal época. É,
essencialmente, a idade tão forçosa como laconicamente descrita no Livro dos
livros – o Bhagavad-Gita - como aquela na qual “da corrupção das mulheres
procede a confusão das castas; da confusão das castas, a perda da memória; da perda
da memória, a falta de entendimento; e de tudo isto, todos os males”; a idade
em que a falsidade é rotulada de “verdade” e a verdade é perseguida como
falsidade e escarnecida como insanidade; na qual os expoentes da verdade, os
líderes divinamente inspirados, os reais amigos da sua raça e de todos os vivos
– os homens-deuses – são derrotados e os seus seguidores rebaixados e a sua
memória caluniada, enquanto os mestres das mentiras são saudados como
“salvadores”; a idade na qual todo o homem e mulher se encontram no local
errado, e o mundo é dominado por seres inferiores, raças bastardas e doutrinas
depravadas, todas partes e parcelas de uma ordem de inerente fealdade muito
pior que a anarquia completa.
Esta é a idade na qual os nossos triunfantes Democratas
e os nossos esperançosos Comunistas exalçam o “lento mas firme progresso
através da ciência e da educação”. Muito obrigado por tal “progresso”! A sua
mesma visão é suficiente para nos confirmar na nossa crença na teoria do ciclo
imemorial da história, ilustrada nos mitos de todas as antigas religiões
naturais (incluindo aquela da qual os Judeus – e, através deles, os seus
discípulos, os Cristãos – emprestaram a história simbólica do Jardim do Éden;
Perfeição no começo do Tempo). Impressiona-nos o facto de que a história
humana, longe de ser uma ascensão estável até ao melhor, é de modo gradual um
processo desesperado de bastardização, emasculação e desmoralização da
humanidade; uma “queda” inexorável. Desperta em nós um desejo para ver o fim –
o choque final que empurrará para o esquecimento tanto esses “ismos” sem valor
que são o produto da decadência de pensamento e de caráter, e as não menos
inúteis religiões da igualdade que lentamente prepararam o terrenos para elas;
o vindouro Kalki, o Destruidor divino do mal; o alvorecer de um novo Ciclo
abrindo, como todos os ciclos temporais sempre o fizeram, a “Idade de Ouro”.
Não interessa o quão sangrento o último choque poderá
ser! Não interessa que velhos tesouros perecerão para sempre na conflagração redentora!
O mais cedo ela venha, melhor! Esperamo-la – e para a consequente glória –
confiantes na Lei cíclica divinamente estabelecida que governa todas as
manifestações de existência no Tempo: a lei do Eterno Retorno. Estamos à sua
espera, e pelo subsequente triunfo da Verdade hoje perseguida; pelo triunfo sob
que nome seja, da única fé em harmonia com as leis perenes do ser; do único
“ismo” moderno que é tudo menos “moderno”, sendo apenas a expressão de
princípios tão antigos como o Sol; o triunfo de todos aqueles homens que,
através dos séculos até hoje, nunca perderam a visão da Ordem eterna, decretada
pelo Sol, e que lutaram num espírito desinteressado para forçar essa visão
noutros. Esperamos a gloriosa restauração, desta vez, a uma escala global, da Nova
Ordem, projeção no tempo, no próximo, como em todas as recorrentes “Idades de
Ouro”, da eterna Ordem do Cosmos.
É a única coisa por que vale a pena viver – e morrer,
se dado esse privilégio – hoje, em 1948.
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