Temos a honra
de iniciar a tradução do inglês para o português de alguns excertos da grande
obra de Numa Denis Fustel de Coulanges, ‘A Cidade Antiga’, da qual deixámos em
baixo a introdução.
Entendemos
este livro como uma das melhores introduções disponíveis às antigas sociedades
gregas e romanas, já que o seu autor é muito perentório no pressuposto de que o
entendimento do pensamento do homem ariano ocidental que se estabeleceu no Sul
da Europa e na bacia Mediterrânica, especialmente a sua relação com o divino –
elemento central do seu ser – é fundamental para compreender estas sociedades, principalmente
no seu período inicial, cujos vestígios são escassos.
Deste modo, as
interpretações da moderna historiografia que encontramos na maior parte dos
livros de história e ficção sobre esta era humana, que atribuem desmesurada
importância a fatores económicos, sociais, militares e inclusive biológicos, parecem-nos
ter uma importância essencialmente secundária, meras coletâneas de factos que
ignoram por completo a dimensão divina e sobre-humana de civilizações que foram
sobretudo construções espirituais, ideias-força que só por este meio puderam espalhar-se
a vastíssimas latitudes.
Esperamos em
breve traduzir os três primeiros capítulos.
Caso o leitor
esteja interessado no livro completo, teremos todo o gosto em facultá-lo digitalmente
- em português do Brasil, em inglês ou espanhol - bastando para tal deixar uma
mensagem nos comentários abaixo.
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Aqui é-nos proposto mostrar por que princípios e
por que regras a sociedade grega e romana era governada. Unimos neste mesmo
estudo ambos os gregos e os romanos, porque estes dois povos, que eram dois
ramos de uma única raça, e que falavam dois idiomas de uma única língua, também
tinham as mesmas instituições e os mesmos princípios de governo, e passaram por
uma série de revoluções similares.
Devemos tentar estabelecer a uma luz clara as
diferenças radicais e essenciais que em todos os tempos distinguiram estes
povos antigos das sociedades modernas. No nosso sistema de educação, vivemos
desde a infância no meio dos gregos e dos romanos, e tornámo-nos acostumados
continuamente a compará-los connosco, a julgar a sua história pela nossa
própria, e a explicar as nossas revoluções pelas deles. O que recebemos deles
leva-nos a acreditar que nos parecemos a eles. Temos alguma dificuldade em
considera-los como nações estrangeiras; somos quase sempre nós próprios que observamos
neles. Daqui irrompem muitos erros. Raramente falhamos em nos equivocar em
relação a estas antigas nações quando as vemos através das opiniões e dos
factos do no nosso próprio tempo.
Agora, erros deste tipo são perigosos. As ideias
que os modernos têm da Grécia e de Roma têm frequentemente obstruído a sua
análise. Tendo imperfeitamente observado as instituições da cidade antiga,
homens têm sonhado em reaviva-las entre nós. Eles têm-se enganado sobre a
liberdade dos antigos, e por conta disto a liberdade entre os modernos tem sido
posta em perigo. Os últimos oitenta anos claramente demonstraram que uma das
maiores dificuldades que impede a marcha da sociedade moderna é o hábito que
tem de sempre manter a antiguidade grega e romana à vista.
Para entender a verdade dos gregos e dos romanos, é
aconselhável estudá-los sem pensar em nós próprios, como se fossem inteiramente
estranhos a nós; com o mesmo desinteresse, e com a mente tão livre, como se
estivéssemos a estudar a antiga Índia ou Arábia.
Assim observadas, Grécia e Roma aparecem-nos num
caráter absolutamente inimitável; nada nos tempos modernos se assemelha a elas;
nada no futuro pode assemelhar-se a elas. Devemos tentar demostrar por que
regras estas sociedades eram reguladas, e será livremente admitido que as mesmas
regras nunca poderão governar a humanidade de novo.
Como tal veio a acontecer? Porque é que as
condições da governação humana já não são as mesmas das dos tempos antigos. As
grandes mudanças que aparecem de tempos a tempos na constituição da sociedade
não podem ser efetuadas apenas por acaso ou à força.
A causa que as produz deve ser poderosa, e deve ser
encontrada no próprio homem. Se as leis da associação humana já não são as
mesmas das da antiguidade, é porque houve uma mudança no homem. Existe, de
facto, uma parte do nosso ser que é modificada de idade para idade; esta é a
nossa inteligência. Encontra-se sempre em movimento, quase sempre a progredir;
e à conta disto, as nossas instituições e as nossas leis estão sujeitas a
mudança. O homem não possui hoje o modo de pensar que possuía há vinte e cinco
séculos atrás; e é por isto que ele não é mais governado como era então
governado.
A história da Grécia e de Roma é um testemunho e um
exemplo da relação íntima que sempre existiu entre as ideias do homem e o seu
estado social. Examine-se as instituições dos antigos sem pensar nas suas noções
religiosas, e encontrá-las-ão obscuras, bizarras e inexplicáveis. Por que existiam
patrícios e plebeus, patrões e clientes, eupátridas e escravos; e como
apareceram as nativas e indeléveis diferenças que encontramos entre estas
classes? Qual era o significado dessas instituições lacedemónias que nos
parecem tão contrárias à natureza? Como vamos explicar aqueles caprichos
injustos da antiga lei privada; em Corinto e em Tebas, a venda de terra era
proibida; em Atenas e em Roma, uma desigualdade na sucessão entre irmão e irmã?
O que é que os juristas entendiam por agitação,
e por gens? Porquê aquelas
revoluções nas leis, aquelas revoluções políticas? O que foi aquele patriotismo
singular que por vezes eclipsava todo o sentimento natural? O que eles
entendiam por aquela liberdade da qual sempre falavam? Como aconteceu que
instituições tão diferentes de tudo o que hoje concebemos tornaram-se
estabelecidas e reinaram por tanto tempo? Qual é o princípio superior que deu
autoridade sobre as mentes dos homens?
Mas ao lado destas instituições e leis encontram-se
as ideias religiosas desses tempos, e os factos então tornam-se claros, e a sua
explicação já não mais admite dúvidas. Se, ao ir-se atrás às primeiras eras
desta raça – isto é dizer, ao tempo em que as suas instituições foram fundadas –
observamos a ideia que se tinha da existência humana, da vida, da morte, da
segunda vida, do princípio divino, percebemos uma relação próxima entre estas
opiniões das antigas regras de direito privado, entre os ritos que brotam
destas opiniões e das suas instituições políticas.
A comparação de crenças e de leis mostra-nos que a
religião primitiva constituiu a família grega e romana, estabeleceu o casamento
e a autoridade paternal, fixou a ordem de relações, e consagrou o direito de
propriedade, e o direito de herança. Esta mesma religião, depois de ter
alargado e estendido a família, formou uma ainda maior associação, a cidade, e
predominou nela como tinha predominado na família. Dela vieram todas as
instituições, assim como todo o direito privado, dos antigos. Foi disto que a
cidade recebeu todos os seus princípios, as suas regras, os seus usos, e as
suas magistraturas. Mas, no curso do tempo, esta religião antiga modificou-se e
apagou-se, e o direito privado e as instituições políticas modificaram-se com
ela. Então vieram uma série de revoluções, e as mudanças socias regularmente
seguem o desenvolvimento do conhecimento.
É da primeira importância, portanto, estudar as
ideias religiosas destes povos, e as mais antigas são as mais importantes para conhecer.
Pois que as instituições e as crenças que encontramos nos períodos do
florescimento da Grécia e de Roma são apenas o desenvolvimento daquelas de uma
era anterior; devemos procurar as raízes delas no muito distante passado. As
populações gregas e itálicas são muitas centenas de anos mais antigas que
Rómulo e Homero. Foi numa época mais antiga, numa antiguidade sem data, que as
suas crenças foram formadas, e que as suas instituições foram estabelecidas ou
preparadas.
Mas que esperança existe de chegar ao conhecimento
deste passado distante? Quem pode contar-nos o que o homem pensava dez ou
quinze séculos antes da nossa era? Podemos recuperar o que é tão intangível e
fugidio – crenças e opiniões? Sabemos o que os Arianos do Leste pensavam trinta
e cinco séculos atrás: aprendemos isto dos hinos dos Vedas, os quais são
certamente muito antigos, e das Leis de Manu, nas quais podemos distinguir as
passagens que são de uma idade extremamente precoce. Mas onde se encontram os
hinos dos antigos helenos? Eles, como os italianos, tinham hinos ancestrais e
velhos livros sagrados; mas nada destes nos chegou. Que tradição se pode manter
para nós dessas gerações que não nos deixaram uma única linha?
Felizmente, o passado nunca morre completamente
para o homem. Muitos podem esquecê-lo, mas o homem sempre o preserva dentro
dele. Escolha-se uma época, e ele é o produto, o epítome, de todas as épocas
anteriores. Deixe-o olhar para a sua própria alma, e ele pode encontrar e
distinguir estas épocas diferentes pelo que cada uma delas deixou dentro dele.
Observemos os gregos do período de Péricles, e os
romanos do tempo de Cícero; eles podem levar consigo as marcas autênticas e os
vestígios inequívocos das mais remotas idades. O contemporâneo de Cícero (falo
especialmente do homem do povo) tem uma imaginação cheia de lendas; estas
lendas apareceram-lhe de um período muito antigo e prestam testemunho da
maneira de pensar desse tempo. O contemporâneo de Cícero fala uma língua cujas
raízes são muito antigas; esta língua, ao expressar os pensamentos das idades
antigas, foi modelada neles, e manteve a impressão, e transmitiu-a de século a
século. O sentido primário de uma raiz irá por vezes revelar uma opinião antiga
ou um uso antigo; ideias transformaram-se, e as memórias delas desapareceram;
mas as palavras ficaram, testemunhas imutáveis das crenças que desapareceram.
O contemporâneo de Cícero praticou ritos nos sacrifícios,
nos funerais e na cerimónia de casamento; estes ritos eram mais antigos que o
seu tempo, o que prova que não correspondiam à sua crença religiosa. Mas se
examinarmos os ritos que ele observava, ou as fórmulas que recitava,
encontramos as marcas do que os homens acreditavam quinze ou vinte séculos
antes.
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