Wednesday, October 25, 2017

A Cidade Antiga – Introdução




Temos a honra de iniciar a tradução do inglês para o português de alguns excertos da grande obra de Numa Denis Fustel de Coulanges, ‘A Cidade Antiga’, da qual deixámos em baixo a introdução.

Entendemos este livro como uma das melhores introduções disponíveis às antigas sociedades gregas e romanas, já que o seu autor é muito perentório no pressuposto de que o entendimento do pensamento do homem ariano ocidental que se estabeleceu no Sul da Europa e na bacia Mediterrânica, especialmente a sua relação com o divino – elemento central do seu ser – é fundamental para compreender estas sociedades, principalmente no seu período inicial, cujos vestígios são escassos.

Deste modo, as interpretações da moderna historiografia que encontramos na maior parte dos livros de história e ficção sobre esta era humana, que atribuem desmesurada importância a fatores económicos, sociais, militares e inclusive biológicos, parecem-nos ter uma importância essencialmente secundária, meras coletâneas de factos que ignoram por completo a dimensão divina e sobre-humana de civilizações que foram sobretudo construções espirituais, ideias-força que só por este meio puderam espalhar-se a vastíssimas latitudes.

Esperamos em breve traduzir os três primeiros capítulos.

Caso o leitor esteja interessado no livro completo, teremos todo o gosto em facultá-lo digitalmente - em português do Brasil, em inglês ou espanhol - bastando para tal deixar uma mensagem nos comentários abaixo.


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Aqui é-nos proposto mostrar por que princípios e por que regras a sociedade grega e romana era governada. Unimos neste mesmo estudo ambos os gregos e os romanos, porque estes dois povos, que eram dois ramos de uma única raça, e que falavam dois idiomas de uma única língua, também tinham as mesmas instituições e os mesmos princípios de governo, e passaram por uma série de revoluções similares.

Devemos tentar estabelecer a uma luz clara as diferenças radicais e essenciais que em todos os tempos distinguiram estes povos antigos das sociedades modernas. No nosso sistema de educação, vivemos desde a infância no meio dos gregos e dos romanos, e tornámo-nos acostumados continuamente a compará-los connosco, a julgar a sua história pela nossa própria, e a explicar as nossas revoluções pelas deles. O que recebemos deles leva-nos a acreditar que nos parecemos a eles. Temos alguma dificuldade em considera-los como nações estrangeiras; somos quase sempre nós próprios que observamos neles. Daqui irrompem muitos erros. Raramente falhamos em nos equivocar em relação a estas antigas nações quando as vemos através das opiniões e dos factos do no nosso próprio tempo.

Agora, erros deste tipo são perigosos. As ideias que os modernos têm da Grécia e de Roma têm frequentemente obstruído a sua análise. Tendo imperfeitamente observado as instituições da cidade antiga, homens têm sonhado em reaviva-las entre nós. Eles têm-se enganado sobre a liberdade dos antigos, e por conta disto a liberdade entre os modernos tem sido posta em perigo. Os últimos oitenta anos claramente demonstraram que uma das maiores dificuldades que impede a marcha da sociedade moderna é o hábito que tem de sempre manter a antiguidade grega e romana à vista.

Para entender a verdade dos gregos e dos romanos, é aconselhável estudá-los sem pensar em nós próprios, como se fossem inteiramente estranhos a nós; com o mesmo desinteresse, e com a mente tão livre, como se estivéssemos a estudar a antiga Índia ou Arábia.

Assim observadas, Grécia e Roma aparecem-nos num caráter absolutamente inimitável; nada nos tempos modernos se assemelha a elas; nada no futuro pode assemelhar-se a elas. Devemos tentar demostrar por que regras estas sociedades eram reguladas, e será livremente admitido que as mesmas regras nunca poderão governar a humanidade de novo.

Como tal veio a acontecer? Porque é que as condições da governação humana já não são as mesmas das dos tempos antigos. As grandes mudanças que aparecem de tempos a tempos na constituição da sociedade não podem ser efetuadas apenas por acaso ou à força.

A causa que as produz deve ser poderosa, e deve ser encontrada no próprio homem. Se as leis da associação humana já não são as mesmas das da antiguidade, é porque houve uma mudança no homem. Existe, de facto, uma parte do nosso ser que é modificada de idade para idade; esta é a nossa inteligência. Encontra-se sempre em movimento, quase sempre a progredir; e à conta disto, as nossas instituições e as nossas leis estão sujeitas a mudança. O homem não possui hoje o modo de pensar que possuía há vinte e cinco séculos atrás; e é por isto que ele não é mais governado como era então governado.

A história da Grécia e de Roma é um testemunho e um exemplo da relação íntima que sempre existiu entre as ideias do homem e o seu estado social. Examine-se as instituições dos antigos sem pensar nas suas noções religiosas, e encontrá-las-ão obscuras, bizarras e inexplicáveis. Por que existiam patrícios e plebeus, patrões e clientes, eupátridas e escravos; e como apareceram as nativas e indeléveis diferenças que encontramos entre estas classes? Qual era o significado dessas instituições lacedemónias que nos parecem tão contrárias à natureza? Como vamos explicar aqueles caprichos injustos da antiga lei privada; em Corinto e em Tebas, a venda de terra era proibida; em Atenas e em Roma, uma desigualdade na sucessão entre irmão e irmã? O que é que os juristas entendiam por agitação, e por gens? Porquê aquelas revoluções nas leis, aquelas revoluções políticas? O que foi aquele patriotismo singular que por vezes eclipsava todo o sentimento natural? O que eles entendiam por aquela liberdade da qual sempre falavam? Como aconteceu que instituições tão diferentes de tudo o que hoje concebemos tornaram-se estabelecidas e reinaram por tanto tempo? Qual é o princípio superior que deu autoridade sobre as mentes dos homens?

Mas ao lado destas instituições e leis encontram-se as ideias religiosas desses tempos, e os factos então tornam-se claros, e a sua explicação já não mais admite dúvidas. Se, ao ir-se atrás às primeiras eras desta raça – isto é dizer, ao tempo em que as suas instituições foram fundadas – observamos a ideia que se tinha da existência humana, da vida, da morte, da segunda vida, do princípio divino, percebemos uma relação próxima entre estas opiniões das antigas regras de direito privado, entre os ritos que brotam destas opiniões e das suas instituições políticas.

A comparação de crenças e de leis mostra-nos que a religião primitiva constituiu a família grega e romana, estabeleceu o casamento e a autoridade paternal, fixou a ordem de relações, e consagrou o direito de propriedade, e o direito de herança. Esta mesma religião, depois de ter alargado e estendido a família, formou uma ainda maior associação, a cidade, e predominou nela como tinha predominado na família. Dela vieram todas as instituições, assim como todo o direito privado, dos antigos. Foi disto que a cidade recebeu todos os seus princípios, as suas regras, os seus usos, e as suas magistraturas. Mas, no curso do tempo, esta religião antiga modificou-se e apagou-se, e o direito privado e as instituições políticas modificaram-se com ela. Então vieram uma série de revoluções, e as mudanças socias regularmente seguem o desenvolvimento do conhecimento.

É da primeira importância, portanto, estudar as ideias religiosas destes povos, e as mais antigas são as mais importantes para conhecer. Pois que as instituições e as crenças que encontramos nos períodos do florescimento da Grécia e de Roma são apenas o desenvolvimento daquelas de uma era anterior; devemos procurar as raízes delas no muito distante passado. As populações gregas e itálicas são muitas centenas de anos mais antigas que Rómulo e Homero. Foi numa época mais antiga, numa antiguidade sem data, que as suas crenças foram formadas, e que as suas instituições foram estabelecidas ou preparadas.

Mas que esperança existe de chegar ao conhecimento deste passado distante? Quem pode contar-nos o que o homem pensava dez ou quinze séculos antes da nossa era? Podemos recuperar o que é tão intangível e fugidio – crenças e opiniões? Sabemos o que os Arianos do Leste pensavam trinta e cinco séculos atrás: aprendemos isto dos hinos dos Vedas, os quais são certamente muito antigos, e das Leis de Manu, nas quais podemos distinguir as passagens que são de uma idade extremamente precoce. Mas onde se encontram os hinos dos antigos helenos? Eles, como os italianos, tinham hinos ancestrais e velhos livros sagrados; mas nada destes nos chegou. Que tradição se pode manter para nós dessas gerações que não nos deixaram uma única linha?

Felizmente, o passado nunca morre completamente para o homem. Muitos podem esquecê-lo, mas o homem sempre o preserva dentro dele. Escolha-se uma época, e ele é o produto, o epítome, de todas as épocas anteriores. Deixe-o olhar para a sua própria alma, e ele pode encontrar e distinguir estas épocas diferentes pelo que cada uma delas deixou dentro dele.

Observemos os gregos do período de Péricles, e os romanos do tempo de Cícero; eles podem levar consigo as marcas autênticas e os vestígios inequívocos das mais remotas idades. O contemporâneo de Cícero (falo especialmente do homem do povo) tem uma imaginação cheia de lendas; estas lendas apareceram-lhe de um período muito antigo e prestam testemunho da maneira de pensar desse tempo. O contemporâneo de Cícero fala uma língua cujas raízes são muito antigas; esta língua, ao expressar os pensamentos das idades antigas, foi modelada neles, e manteve a impressão, e transmitiu-a de século a século. O sentido primário de uma raiz irá por vezes revelar uma opinião antiga ou um uso antigo; ideias transformaram-se, e as memórias delas desapareceram; mas as palavras ficaram, testemunhas imutáveis das crenças que desapareceram.

O contemporâneo de Cícero praticou ritos nos sacrifícios, nos funerais e na cerimónia de casamento; estes ritos eram mais antigos que o seu tempo, o que prova que não correspondiam à sua crença religiosa. Mas se examinarmos os ritos que ele observava, ou as fórmulas que recitava, encontramos as marcas do que os homens acreditavam quinze ou vinte séculos antes.




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