Os vários assuntos tratados no curso deste estudo
constituem o que no todo podem ser, de modo geral, apelidados de ‘sinais dos
tempos’ no sentido dos Evangelhos, por outras palavras, os sinais precursores
do ‘fim de um mundo’ ou de um ciclo. Este fim apenas parece ser o ‘fim do
mundo’, sem qualquer reserva ou especificação de qualquer tipo, para aqueles
que não veem nada para além dos limites deste ciclo específico; um erro muito
desculpável, é verdade, mas um que no entanto tem consequências lastimáveis nos
terrores excessivos e injustificados a que dá azo naqueles que não se encontram
suficientemente desligados da existência terrestre; e naturalmente são tais as
mesmas pessoas que mais facilmente formam esta conceção errónea, apenas por
razão da estreiteza do seu ponto de vista. Na verdade podem existir muitos
‘fins do mundo’, porque existem ciclos de muita variada duração, contidos uns nos
outros, e também porque esta mesma noção pode ser sempre aplicada
analogicamente em todos os graus e em todos os níveis; mas é óbvio que estes
‘fins’ contêm uma importância desigual, como também os próprios ciclos aos
quais pertencem; e nesta conexão deve ser reconhecido que o fim agora em
consideração é inegavelmente de considerável maior importância que muitos
outros, pois é o fim de um Manvantara
completo, e portanto da existência temporal do que justamente pode ser chamado
de uma humanidade, mas isto, seja dito uma vez mais, de modo algum implica que signifique
o fim do próprio mundo terrestre, porque, através da ‘retificação’ que tomará
lugar no instante final, este fim tornar-se-á imediatamente o início de outro Manvantara.
Enquanto nesta matéria, existe ainda um ponto
adicional que necessita ser explicado mais precisamente: os partidários do
‘progresso’ têm o hábito de dizer que a ‘idade de ouro’ não se encontra no
passado mas no futuro; no entanto, a verdade é que no que respeita ao nosso Manvantara ela encontra-se no passado,
pois não é outra coisa que não o próprio ‘estado primordial’. Existe no entanto
um pressentimento de que ela se encontra tanto no passado como no futuro, mas
apenas na condição de que a atenção não se confine ao atual Manvantara mas seja estendida a incluir
a sucessão de ciclos terrestres, pois no que respeita ao futuro tudo menos a
‘idade de ouro’ de outro Manvantara
pode ser colocado em questão; está portanto separada do nosso período por uma
‘barreira’ completamente intransponível aos profanos que dizem tal tipo de
coisa, e não possuem qualquer tipo de ideia do que falam quando anunciam a
aproximação de uma ‘nova era’ como sendo uma a que a atual humanidade esteja
ligada. O seu erro, na sua forma mais extremada, será o do próprio Anticristo
quando ele reclama trazer à existência uma nova ‘idade de ouro’ através do
reinado da ‘contra-tradição’, e quando ele lhe dá uma aparência de
autenticidade, puramente traiçoeira e efémera, por meio de uma contrafação da
ideia tradicional do Sanctum Regnum;
isto torna claro a razão do acima mencionado papel desempenhado pelas conceções
‘evolucionistas’ em todas as ‘pseudo-tradições’, e apesar destas
‘pseudo-tradições’ ainda serem ‘prefigurações’ muitos parciais e débeis da
‘contra-tradição’, no entanto elas estão sem dúvida a contribuir
inconscientemente mais diretamente que alguma outra coisa para os preparativos
da sua chegada. A ‘barreira’ recentemente aludida, que num sentido compele
aqueles para a qual existe a confinarem-se inteiramente ao interior do presente
ciclo, é claramente um obstáculo ainda mais insuperável para os representantes
da ‘contra-iniciação’ do que é para aqueles para quem nada existe fora do
presente ciclo, e será portanto especialmente para eles que o fim do ciclo tem
necessariamente de ser o ‘fim do mundo’ no sentido mais completo que a
expressão pode conter.
Isto levanta outra questão relacionada, sobre a
qual algumas palavras devem ser ditas, apesar de na verdade uma resposta já
estar implicitamente contida em algumas considerações previamente abordadas, isto
é: em que medida estão as pessoas que mais completamente representam a
‘contra-iniciação’ efetivamente conscientes do papel que estão a desempenhar, e
em que medida são elas por outro lado meros instrumentos de uma vontade que
ultrapassa a sua própria, e portanto delas está escondida, apesar de estarem
inexoravelmente subordinadas a ela? De acordo com o que acima foi dito, os
limites entre os dois pontos de vista sobre os quais a sua ação pode ser
concebida são determinados essencialmente pelos limites do mundo espiritual, o
qual não conseguem penetrar de modo algum; poderão possuir um conhecimento tão
extensivo quanto possível das possibilidades do ‘mundo intermédio’, mas este conhecimento
será sempre, no entanto, irremediavelmente falsificado pela ausência do
espírito, que só ele lhe pode fornecer verdadeira significação. Obviamente tais
seres nunca podem ser mecanicistas ou materialistas, nem mesmo partidários do
‘progresso’ ou ‘evolucionistas’ no sentido comum dos termos, e quando eles
promulgam no mundo as ideias que estas palavras expressam, estão a praticar uma
fraude consciente; mas estas ideias referem-se apenas à ‘anti-tradição’
meramente negativa, que para eles é apenas um meio e não um fim, e eles podiam,
como toda a gente, procurar desculpar a sua fraude dizendo que ‘o fim justifica
os meios’. Este erro é de uma ordem muito mais profunda que o dos homens que
eles influenciam e aos quais aplicam ‘sugestões’ por via dessas ideias, pois
não surge de outro modo que não da consequência da sua total e invencível
ignorância acerca da verdadeira natureza de toda a espiritualidade; isto torna
muito mais difícil dizer exatamente até que ponto eles podem estar conscientes
da falsidade da ‘contra-tradição’ que buscam estabelecer, pois eles podem verdadeiramente
acreditar que, assim o fazendo, estão a opor o espírito manifestado em toda a
tradição normal e regular, e estão situados ao mesmo nível dos que a
representam neste mundo; e neste sentido o Anticristo seguramente tem de ser o
mais ‘iludido’ de todos os seres. Esta ilusão tem a sua raiz no erro ‘dualista’
já mencionado; dualismo é encontrado de uma forma ou de outra em todos os seres
cujo horizonte não se estende para lá de certos limites mesmo se os limites são
aqueles do inteiro mundo manifestado; tais pessoas não conseguem resolver a
dualidade que veem em todas as coisas que jazem nesses limites referindo-a a um
princípio superior, e portanto pensam que é realmente irredutível e são por
tanto levados a uma negação da Unidade Suprema, que de facto é para eles como
se não existisse. Por esta razão foi possível dizer que os representantes da
‘contra-iniciação’ são no fim contas meros joguetes do papel que eles mesmos
desempenham, e que a sua ilusão é na verdade a maior ilusão de todas, já que é
positivamente a única onde um ser pode, não apenas ser seriamente mais ou menos
desviado, mas na verdade tornar-se irremediavelmente perdido; no entanto, se
eles não se encontrassem tão iludidos, claramente não estariam a desempenhar
uma função que tem de ser desempenhada, como qualquer outra função, para que o
plano Divino possa ser realizado neste mundo.
Isto leva-nos de volta à consideração do duplo aspeto,
benéfico ou ‘maléfico, de toda a história do mundo, vista como um ciclo de
manifestação; e esta é na verdade a ‘chave’ para todas as explicações
tradicionais das condições sob as quais esta manifestação é desenvolvida,
especialmente quando está a ser considerada, como agora, no período que a
levará diretamente ao seu fim. Por um lado, se esta manifestação é simplesmente
tomada em si mesma, sem a referir a um todo muito maior, o processo inteiro
desde o seu início até ao seu fim é claramente um de progressiva ‘descida’ ou
de ‘degradação’, e isto é o que pode ser apelidado como o seu aspeto
‘maléfico’; mas, por outro lado, a mesma manifestação, quando colocada de volta
no todo de que é uma parte, produz efeitos que têm um resultado verdadeiramente
‘positivo’ na existência universal; e o seu desenvolvimento deve ser levado a
cabo até ao fim, para incluir um desenvolvimento das possibilidades inferiores
da ‘idade escura’, de modo a que a ‘integração’ desses resultados se torne
possível e se possa tornar o princípio imediato de outro ciclo de manifestação;
isto é o que constitui o aspeto ‘benéfico’. O mesmo aplica-se quando o próprio
fim de ciclo é considerado: do ponto de vista especial do que tem então de ser
destruído porque a sua manifestação terminou e se encontra como exausto, o fim
é naturalmente ‘catastrófico’ no sentido etimológico, no qual o mundo evoca a
ideia de uma ‘queda’ súbita e irreparável; mas, por outro lado, do ponto de
vista de acordo com o qual a manifestação, ao desaparecer como tal, é trazida
de volta ao seu princípio no que concerne a tudo o que é positivo na sua
existência, este mesmo fim aparece pelo contrário como a ‘retificação’ de onde,
como explicado, todas as coisas são subitamente restabelecidas no seu ‘estado
primordial’. Além disso isto pode ser analogicamente aplicado em todos os
graus, seja um ser ou um mundo em questão: em resumo, é sempre o ponto de vista
parcial que é ‘maléfico’, e o ponto de vista que é total, ou relativamente
total com respeito ao outro, que é ‘benéfico’, porque todas as desordens
possíveis apenas são desordens quando consideradas em si mesmas e
‘separativamente’, e porque estas desordens parciais são eliminadas
completamente na presença da ordem total na qual são ultimamente fundidas,
constituindo, quando despidas do seu aspeto ‘negativo’, elementos dessa ordem
comparáveis a todos ou outros; não existe de facto nada que seja ‘maléfico’
exceto as limitações que necessariamente condicionam toda a existência
contingente. Os dois pontos de vista, respetivamente ‘benéfico’ e ‘maléfico’,
foram previamente abordados como se fossem de algum modo simétricos; mas é
fácil entender que eles não são nada dessa espécie, e que o segundo apenas
significa algo que é instável e transitório, já que apenas o que o primeiro
representa tem um caráter permanente e positivo, para que o aspeto ‘benéfico’
possa senão prevalecer no final, enquanto o aspeto ‘maléfico’ completamente
desvanece porque na realidade era apenas uma ilusão inerente na
‘separatividade’. No entanto, a verdade é que então não se torna mais
apropriado usar a palavra ‘benéfico’ do que a palavra ‘maléfico’, pois os dois
termos são essencialmente correlativos e não podem ser usados corretamente para
indicar uma oposição quando ela não mais existe, pois ela pertence, como todas
as oposições, exclusivamente a um particular domínio relativo e limitado; logo
que os limites desse domínio são ultrapassados, existe apenas aquilo que é, e
que não pode senão ser, ou ser outra coisa do que é; e como consequência, se
não se parar antes da mais profunda ordem de realidade, pode ser dito em toda a
verdade que ‘o fim de um mundo’ nunca é e nunca pode ser outra coisa que não o
fim de uma ilusão.
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