O aparecimento do desporto de
massas é um dos fenómenos típicos da modernidade, do qual o futebol é sem
dúvida o seu exemplo mais proeminente.
Sendo uma atividade desportiva que
consome tantos recursos e devoção pelas atuais massas humanas, é de notar – á
semelhanças de outras importantes manias atuais – a pouca atenção dada às
causas fundas da sua popularidade e da devoção que tributa tanto a praticantes
como a seguidores. Para além das interpretações marxistas do futebol como ópio
do povo – que o é a um nível superficial – e de outras explicações
sociológicas, os comentadores atuais, muitos dos quais professam amor confesso
a um qualquer clube, parecem admitir um certo irracionalismo nesta obsessão,
mas fazem sempre referência ao amor clubístico como algo mais ou menos natural
e até mesmo saudável.
Cumpre reconhecer a contradição que
a muitos parece passar totalmente ao lado: a de, numa sociedade que se preza
por ter ultrapassado os chamados “dogmas de fé” e que afirma o positivismo e o
racionalismo como móbeis da ação humana, existirem e cresceram fenómenos de
adoração de massa que arrebatam as energias e paixões de setores cada vez mais
extensos da humanidade.
Propomo-nos neste artigo deixar
algumas bases para entender o presente culto futebolístico e explicar que não é
por acaso ser esta modalidade a mais seguida no Mundo, já que ela, de todos os
outros desportos disponíveis, partilhará mais do corrente pathos modernista.
Mais, entendemos que o futebol, do modo como é praticado e seguido, poderá ser
considerado o desporto satânico por excelência – satânico aqui entendido menos
no sentido escatológico das religiões abraâmicas, mas mais como conjunto de
forças subterrâneas que, não sendo mais controladas pela alta espiritualidade
de caráter solar que outrora prevalecia, guiam hoje sem freio as ações e
atitudes humanas sobretudo no espaço territorial a que se chama de Ocidente.
1.
O Desporto
das Massas:
Na tentativa de encontrar as
origens deste desporto, podemos recuar, pelo menos, à Idade Média Europeia,
onde por vezes a turba dos primeiros aglomerados urbanos (o início das cidades
na aceção moderna do termo, habitadas por massas informes anónimas)
exteriorizava a sua agressividade e os seus instintos mais ferozes ao pontapear
um objeto de forma circular pelas ruas e campos adjacentes.
Não sendo este ainda o desporto a
que hoje chamamos futebol, é de notar como o seu antecedente nasceu desta forma
“espontânea” em elementos da classe popular de estrato mais baixo que, no
frenesim da multidão, chutavam a bola sem destino e que no seu fulgor a seguiam
para onde esta os levasse e onde a ação do indivíduo que momentaneamente
pontapeava o objeto era rapidamente submergida pela força da massa ululante em
que este então se perdia.
Esta expressão do irrequietismo das
massas de então não podia diferir mais das atividades que envolviam esforço
físico por parte da nobreza (cavalaria ou esgrima, por exemplo), que eram por
natureza individuais, exigiam um controlo intenso da mente e do corpo, eram
precedidas por anos de preparação e obedeciam a um sem número de códigos de
honra e de conduta de natureza imemorial, sem os quais as suas práticas não
fariam sentido.
Podemos afirmar que o futebol
surgiu como uma atividade própria do demos,
de significação totalmente contrária à atividade nobre; mais, o seu surgimento
nesta altura significou, acima da expressão da natureza própria daqueles que,
guiados por forças subterrâneas, se juntavam à sua prática, a derrota das
forças espirituais que até então as tinham contido no plano material.
Não é curioso notar como, passados
séculos, o futebol é hoje essencialmente praticado por homens que provém dos
elementos das camadas mais destituías e menos cultivadas da nossa sociedade?
Como o são sem dúvida os adeptos mais fervorosos das equipas que vemos a apoiar
as respetivas equipas no estádio ou a celebrar na rua, raras vezes sem
violência física e verbal.
O futebol é essencialmente um
desporto de massas para as massas. É fascinante notar como pessoas que
normalmente apresentam um módico de educação e decoro, quando num ambiente de
estádio ou mesmo a jogar com os amigos, recorrem frequentemente ao palavrão e a
atos de violência física, já que nesses ambientes o que predomina é o ambiente
demónico que dantes guiava as massas quando estas se empurravam umas às outras
para chutar uma bola.
Quanto ao modo como é praticado,
como já acima fizemos referência, nada no futebol se pode comparar à dignidade
superior de um cavaleiro, à disciplina militar de um escalador ou à paz de
corpo e alma de um atirador de arco; ademais, a violência, a falta de graça e
controlo das emoções dos protagonistas, o grassar das ações vis, simulações, agressões
e insultos entre praticantes, não deixam dúvidas quanto à natureza desta
atividade física.
O futebol, como símbolo e efeito,
explica a consagração das forças demónicas do chamado 4º estado que venceram em
quase toda em linha as viris forças espirituais que se lhes opunham, já que são
aquelas que guiam as modernas massas humanas, sejam estas de qualquer estrato
socioeconómico que se julguem pertencer.
1. O Futebol
como Anti-Religião:
Ao contrário do que o endoutrinado
homem moderno pensa, o mundo espiritual não conhece o vazio. E se dantes com
razão poderíamos dizer que as forças da verdadeira Tradição operavam ou, pelo
menos, procuravam conter as forças ditas satânicas,
hoje podemos afirmar que as últimas têm livre-rédea para atuar sob uma
massa disforme que, sem referências superiores, se encontra mais que nunca à
sua mercê, sempre sem o saber.
Não é pois de admirar ver o mais
vitriólico ateísta, o chefe sindical, o intelectual cosmopolita, o líder de
indústria ou o moderno cacique político, depois de prezarem os tempos atuais de
libertação contra as “longas noites negras” do passado, num qualquer Domingo à
tarde, vestidos da mesma indumentária que o resto dos congregantes e num templo
titânico de adoração, a ulular em paroxismos de êxtase e desespero os modernos
deuses do desporto, em uníssono com o restante magma humano.
À semelhança do centro comercial,
do computador e da televisão, o estádio de futebol funciona como o templo
escolhido pelo homem moderno para expiar as suas frustrações e projetar os seus
anseios e desejos, o qual frequenta religiosamente.
Mas se pelo menos na Igreja ainda
havia a intermediação de um ser com qualidades superiores responsável por
ministrar o rito e assim permitir algum contato, por pequeno que fosse, entre Deus e a congregação - que atendia à
cerimónia de forma voluntária - não deixa de ser preocupante que os fenómenos
de fervor religioso modernos como o futebol sejam executados de forma passiva,
sob outra guisa.
E para comprovar o caráter
subversivo do futebol, é interessante constatar que a intermediação com as
forças espirituais não é feita por um ser dotado de preparação especial ou
capacidades inatas, mas precisamente pela massa humana na sua capacidade mais
vil e rebaixada – qualquer pessoa que já esteve num estádio reparará que há um
conjunto de adeptos mais fervorosos (como já acima referimos, representantes por
excelência do 4º estado) que iniciam a maior parte das reações coletivas dos
adeptos, os quais a maioria de pronto segue e copia, tanto nos modos como nas
palavras.
Haverá porventura maior exemplo de
satanismo moderno que o de uma celebração coletiva ministrada (não de forma
consciente, mas sim guiada por forças subterrâneas) pelos elementos mais
grosseiros da sociedade, os quais são copiados na sua vileza e baixeza pela
restante massa humana que assim perde toda a sua individualidade e
personalidade, a pretexto de apoiar meros seres humanos embrutecidos num
terreno de jogo?
2. O
Irracionalismo no Futebol:
O moderno fenómeno futebolístico
aparece como algo que apela ao lado mais irracional do ser humano, e isto visto
não no que poderia de ter de positivo caso fosse uma busca das possibilidades
sobrenaturais do ser humano ou de algo que potenciasse realizações metafísicas,
mas precisamente no que é mais obscuro e animalesco nele, no seu substrato
inconsciente e subconsciente.
Cabe notar que o adepto médio deste
desporto, muito mais que uma verdadeira paixão pelo jogo, desenvolve acima de
tudo um fanatismo para com o seu clube ou jogadores favoritos, com cujo
sucesso, contra o que seria de esperar numa perspetiva puramente racional, ele
totalmente se identifica e cujo destino vai contribuir para o seu estado de
espírito.
Existe uma adoração semelhante à antiga devoção
totémica por tribos antigas que se identificavam sobretudo com a adoração da
Terra e animais, com os quais a respetiva estirpe comungava origem e destino.
E basta notar que há algo de mais
profundo e outras forças em jogo quando se constata que a escolha de uma equipa
como objeto de devoção é somente baseada em puros fatores emocionais,
familiares e mesmo de integração de grupo, que são base para manter um
fanatismo e tribalismo que se identificam com o que acima foi dito.
Também se pode dizer que tudo o que
podia servir como base de apoio para realizações superiores tanto para os
desportistas bem como para os adeptos (atente-se ao caráter essencialmente
religiosos tanto dos originais Jogos Olímpicos como do Circo Romano), descamba
numa exaltação de estados instantâneos de alegria raivosa ou de fúria profunda,
imitados pelos jogadores, numa atividade que, totalmente secularizada, só
funciona como leve bálsamo para as massas urbanas que o usam momentaneamente
para esconder o vazio da existência moderna e o niilismo em que operam.
Como de outra maneira entender o
apego fanático que alguns membros “destacados” da nossa praça mostram para com
a sua equipa de futebol, traindo uma violência e agressividade da sua parte que
não se coaduna de modo algum com a imagem exterior que utilizam no cumprimento
das suas funções?
Faremos uma referência breve ao
jogo do futebol em si que confirma a irracionalidade que o próprio jogo
pressupõe: a expetativa que existe noutros desportos coletivos na marcação de
um regular número de pontos para cada equipa durante uma partida, não existe no
futebol, já que neste é comum a existência de um reduzido número de golos, não
sendo raro de todo a partida concluir-se sem qualquer golo. Um jogo de futebol
é composto essencialmente por ações mais ou menos desconexas praticadas por um
conjunto de jogadores de cada equipa, que passam uma hora e meia a lutar entre
si e a chutar a bola para o outro campo, com raros momentos de verdadeira
beleza, composto essencialmente por um atleticismo agressivo, de natureza
essencialmente bruta; jogadores e adeptos esperam acima de tudo, quase como que
suplicantes, por um momento de catarse que o golo lhes proporcionará e fará
todo o tempo perdido até então ter valido a pena.
Alguns comentadores políticos
americanos já notaram, mais perspicazmente do que se lhes dá crédito, que a
crescente popularização deste tipo de futebol europeu niilista, o soccer, em relação ao seu futebol
americano - com o seu cariz essencialmente militar de natureza mais masculina -
constitui um sintoma da decadência americana no que entendem ser uma
“europeização” dos Estados Unidos, no que aquela tem de pior.
3. O Futebol
como Desporto Global:
Como é demais sabido, o fenómeno
“futebolístico” não para de crescer e, à semelhança de outros fenómenos
modernos que acompanham a crescente globalização, ameaça submeter sociedades
ainda relativamente tradicionais à sua adoração.
Já hoje o futebol funciona como o
grande equalizador dentro de cada país e sociedade, onde antigas diferenças de
educação e status são esquecidas
aquando da celebração do culto futebolístico, mas também em termos
transnacionais e transculturais – em qualquer local do mundo o futebol funciona
como fator comum de contacto e algo que todos aproxima as pessoas independentemente
da origem e educação, já que a maioria partilha da paixão pelo jogo.
E se dantes as equipas de futebol
mantinham algo de nacional ou regional, hoje elas não são mais que interpostos
comerciais para jogadores e homens de negócios fazerem fortuna numa indústria
global, mais se assemelhando a multinacionais com consumidores nas 4 partes do
globo do que a associações desportivas, exploradas pelos mesmos homens sem
escrúpulos que tudo capitalizam e monetizam – os que são, de facto, os
principais beneficiários materiais desta devoção de muitas “almas”.
Seja no estádio ou na televisão,
biliões de seres estão constantemente hipnotizados na religião moderna, umas
vezes vencendo, outas vezes perdendo, mas acima de tudo partilhando uma mesma
experiência espiritual regressivo-passiva comum.
Como se vê o futebol acaba por ser
um tentáculo da moderna universalização e estandardização do homem que está em
curso e para a qual caminhamos: uma aldeia global de seres equalizados e
nivelados, que, vestindo todos a mesma camisola, partilham dos mesmos gostos, as
mesmas paixões e os mesmos conhecimentos superficiais, acima de qualquer
particularismo regional, político ou religioso que possam ter - enquanto estes
ainda subsistirem!
E aqui não deixa de ser de notar que,
tendo o futebol nascido no Ocidente, este se expande e conquista cada vez mais
o Oriente, seguindo a mesma direção de outros mitos modernos de confeção
“europeia” cuja exportação para terras orientais contribuiu para a
implementação também aí das ideias subversivas da Contra-Iniciação global.
Numa época em que a subversão é a
palavra-chave, em que se prefere o exterior ao interior, o terreno ao céu, o
inferior ao superior, o plebeu ao real, só os mais ingénuos e crédulos não
podem notar a ironia subversiva de ser esta atividade apodada de
“desporto-rei”.
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