Monday, November 27, 2017

Sobre o Desenvolvimento Tecnológico




Depois de algumas discussões e reflexões tidas nos últimos tempos, tomo a liberdade de deixar algumas considerações acerca do desenvolvimento tecnológico, e mais importante, as suas causas e consequências no mundo Ocidental.

Parece-me que estas reflexões poderão ser de uso para aqueles que pressentem o erro em que opera o mundo moderno e que só poderá levar senão à catástrofe - já pressentida em todos os domínios da vida pública e privada – e que no fundo desejam a restauração da verdadeira Ordem e Tradição.

É comum a todos os nossos contemporâneos considerarem o progresso tecnológico como um processo inelutável, consequência da descoberta pelos nossos antepassados recentes de novos meios de transformação e de produção de matéria, de invenções científicas e de novas teorias e ciências que, aplicadas a também novos meios de gestão industrial, possibilitaram, entre outros, avanços materiais notáveis, especialmente desde o século XIX, que mudaram de forma radical a vida humana, o modo de viver coletivo, o trabalho e o respetivo conforto material.

E se não deixa de haver críticas acerbas a tal processo, tais vêm mais de uma perspetiva integradora, que vê este processo como algo essencialmente benéfico ou inevitável e que representa o que de melhor existe da mente ativista e empreendedora da civilização europeia, prova cabal da nossa superioridade e inteligência em relação a outros povos ditos primitivos, cujo modo de vida não pode senão ser considerado como retrógrado e, no fundo, digno da nossa pena e compaixão.

Aqui não podemos de deixar de notar o tique progressista e marxista em ação, que considera a história em termos de um genérico progresso constante, não apenas das condições materiais da existência, mas, no fundo, de uma liberalização e emancipação progressiva do indivíduo que, por uma crescente tomada de consciência de formas mais elevadas de conhecimento da sua condição e de entendimento do seu meio ambiente, não pode senão melhorar crescentemente a sua vida interior e exterior com vias a atingir, quiçá, a perfeição nesta etapa terrestre, num futuro mais ou menos distante.

E engane-se quem pensar que tal mentalidade é perfilhada apenas pelos ditos progressistas de vertente socialista ou comunista; esta atitude está incorporada de forma mais ou menos consciente por todo o homem atual, incluindo o autoproclamado conservador que, mesmo exaltando as virtudes antigas, não deixa de se maravilhar com os grandes avanços da ciência e da técnica modernas, motivo de orgulho e marca de distinção para com as sociedades antigas e também com as coevas que ainda não tiveram o ‘privilégio’ de participar em tais empresas. Numa sociedade como a atual, profana e materializada, que critério mais importante haverá para diferenciação entre organizações humanas que não os índices produtivos, as taxas de crescimento, níveis de industrialização, capacidade técnica, índices de literacia e outros quejandos?

Com isto, não queremos significar de modo algum que não existem ainda considerações morais e religiosas, apenas que estas assumem um caráter subsidiário às acima referidas, que são vistas, pelo menos ainda em alguns casos, como de igual importância.

Estas preocupações com o bem-estar material e com o avanço tecnológico não surgiram do nada. Basta um olhar rápido para a história da humanidade para facilmente observar que descobertas científicas e materiais foram uma constante e que todas as sociedades as incorporaram de algum modo na respetiva existência. O que é novo é o facto de tal esforço, que dantes era visto como algo secundário, ser agora considerado a força motriz da existência humana, ao qual são devotadas todas as capacidades intelectuais e técnicas do mundo moderno! Mais, não é com certeza um acaso que tal desenvolvimento e obsessão pela tecnologia tenham surgido na Europa na mesma altura em que, por diversos processos, a razão passou a ser considerada como o único instrumento capaz de alcançar verdadeiro conhecimento.

Destes processos, destacamos aqui o Iluminismo e o Luteranismo. O primeiro, tomando o homem como centro do Universo e medida de todas as coisas, considerou-o o único ser capaz e responsável pela sua liberdade e independência, vistas estas em termos puramente materiais. O último, transpôs ainda antes a mesma atitude – então latente - para a doutrina religiosa, que passou a ser vista como uma experiência somente de caráter individual e subjetivo, com as matérias metafísicas dessacralizadas a um mero ato de fé racional, independentes da conduta terrena.

Neste caldo mental, o homem europeu profanou a sua existência de modo cada vez mais progressivo, e se ainda manteve formas exteriores de observância de ritos e uma fé difusa no sobrenatural e na redenção, estas tinham pouca influência na nova mentalidade, que, liberta dos antigos estritos grilhões espirituais, era agora ocupada pela especulação filosófica e científica desregrada e pela busca de satisfação material, únicos desideratos possíveis em tal ambiente.

A partir daí, de forma crescente, a vida humana enredou-se cada vez mais na exploração da terra, na produção de riqueza, na transformação de materiais e na busca constante de novos modos de torna-los cada vez mais eficientes e intensivos. Daí, a comercialização da vida, a procura de fortuna e o surgimento de centros industriais e urbanos, em detrimento de um estilo de via centrado em povoações autossustentadas, foi um passo, que por sua vez deram lugar aos mais recentes monumentos fantasmagóricos de aço e betão que constituem as metrópoles modernas e os mastodônticos centros industriais e tecnológicos, tributos prestados à nova era de eficiência e de opulência material.

Parece então óbvio que o que se apelida de progresso tecnológico moderno não passa da desenfreada busca de conforto e riqueza pelo homem moderno europeu, mentalmente liberto de toda a força ordenadora antigamente dada pela religião e pelas castas aristocráticas, que sempre ocuparam lugares cimeiros na estrutura hierárquica de todas as sociedades tradicionais antigas. Tal ‘progresso’ só se torna inevitável quando essas forças superiores e moldadoras da classe mercantil e da mentalidade burguesa perdem força e deixam estas entregues aos seus próprios meios, sem freio vindo de cima. Nessa altura, os horizontes do homem reduzem-se à visão material da vida e o que se apoda de progresso tecnológico torna-se ‘inevitável’, pois já nada refreia o irrequietismo e a ambição das castas inferiores agora libertas.

É para nós límpido que o que é novo não são as descobertas científicas ou tecnológicas, que como já afirmamos sempre existiram, mas sim o facto de que, ao contrário de antigamente, estas já não serem vistas como meros processos técnicos e secundários, que se encontram subordinados aos valores que sempre guiaram as grandes civilizações de todo o Mundo – os espirituais – mas a razão mesma da existência humana!

Não deixa portanto de ser interessante observar autoproclamados conservadores europeus desprezarem outras organizações humanas – algumas milénios mais antigas que a dita civilização Cristã – por estas não terem sido obreiras ou cúmplices destas ‘descobertas’ e destes ‘avanços’. No fundo, escapa a essas pessoas que tais organizações espirituais, onde incluímos a verdadeira civilização Europeia antiga, nunca terem considerado aquelas como dignas de importância maior. O valor e distinção destas comunidades não derivam destas ciências e técnicas mecanicistas, mas de valores de verdadeira Civilização, podendo portanto viver muito bem sem elas.

Mais, estas sociedades sempre tiveram consciência, como a têm hoje ainda alguns europeus, que muitos destes avanços e descobertas tecnológicas, na maior parte dos casos, constituem uma prisão potencial para o homem, que enredado nelas se torna seu escravo, criando necessidades falsas e supérfluas, que consomem toda a sua vida. Basta um olhar de relance pela vida ocidental de hoje para perceber como o homem moderno devota a sua vida ou a trabalhar ou na busca frenética de conforto e satisfação, hipnotizado que está com a matéria, já não sabendo há muito tempo que a verdadeira liberdade só poderá ser encontrada pelo homem que guia a sua vida terrena nos valores da verdadeira espiritualidade.

Julgar o valor civilizacional de comunidades humanas com base em conceitos profanos e subversivos – como o são o progressismo, o darwinismo, o cientismo, o racionalismo, a técnica ou evolucionismo – é no fundo jogar o jogo do inimigo, e esquecer o que verdadeiramente tornou o Ocidente notório e digno se ser restaurado.

6 comments:


  1. eu concordo com uma boa parte das considerações apresentadas. mas depois não consigo ver outras partes e sobretudo a conclusão como mais do que um fetichismo absurdo (e perigoso se levado a sério - que no entanto tenho a certeza de que não é) de tudo o que é ancestral, sem considerações sobre o valor e propósito das coisas, só pela sua ancestralidade.

    estávamos a falar da India, por isso vou usá-la como exemplo.

    http://www.bbc.com/news/health-33980904

    "We've made public toilets but people still don't use them," said Anil Prajapati, chairman of the Gujarat Sanitation Development Organisation.

    "Some of these people fear that there are witches inside or that their children will be kidnapped."

    é suposto considerar que esta civilização ancestral está a manter um costume de alto valor moral e religioso em defecar na rua, nos rios e lagos e propagar doenças e destruição do meio natural? que as suas superstições que causam estas práticas são algo a aplaudir por serem ancestrais?

    https://news.nationalgeographic.com/news/2004/06/0628_040628_tvrats.html

    ou que adorar ratos e ignorar as doenças que propagam é um sinal de força espiritual e superioridade moral?

    https://en.wikipedia.org/wiki/Female_infanticide_in_India#Contemporary_data_and_statistics

    ou infanticídio de raparigas - que curiosamente está a ser ajudado pelos avanços tecnológicos que permitem saber de antemão o sexo da criança - é uma prática que deviamos aplaudir pela sua ancestralidade?

    depois há o canibalismo, ou a pedofilia institucionalizada - ambas por razões religiosas. mais práticas que deviamos considerar como dignas de pessoas com grande ligação com o divino, suponho.

    ***

    para mim é absurdo pensar que não podemos encontrar um balanço entre progresso material e progresso espiritual, que temos de nos contentar em viver em condições materiais terríveis, votando milhões de pessoas à fome e à doença, e perpetuar práticas insalubres ou imorais, para podermos estar de bem com Deus. O Deus em que acredito não é um Deus cruel que ofereceria uma tal escolha, pelo contrário. E se certamente há muito a repensar na forma como encaramos a tecnologia (se ainda tivermos tempo), acho que não é demais pedir que adoremos a Deus sem no entanto deixarmos de saber usar sanitas, violarmos crianças ou comermos carne humana.

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  2. Meu Caro,

    Obrigado pelo teu comentário.

    De facto neste artigo não existe fetichismo do que é ancestral, mas sim crítica ao fetichismo tecnológico moderno.

    Quando me referi às grandes civilizações ancestrais e às que ainda existem que rejeitam o credo modernista, fi-lo apenas no contexto da sua aversão natural ao que é puramente utilitário e portanto secundário; não me referi às suas tradições e hábitos particulares e variados dentro dessa mesma civilização.

    Isto não quer dizer que se seja contra a tecnologia ou o conforto material, apenas quando tal consome a maioria das energias humanas devotadas nessa direção, como referido.

    Assumir que só existem duas opções extremas não é de todo correto nem me parece que tal possa ser apreendido no texto acima.

    Agora, confundir a influência espiritual do Hinduísmo (que foi o exemplo que deste, porque também há outros casos que se terá mais dificuldade de aplicar o teu argumento, como a China ou o Japão tradicionais) com certas práticas, costumes e superstições populares típicos das castas mais baixas e incultas, é um argumento que não cola. Mais, curiosamente é esse também o argumento anti-Cristão usado pela mentalidade ateísta de inspiração jacobina, que usa exemplos similares que também existirão e existiam na nossa sociedade. Também é capcioso assumir que essas práticas são integrantes da experiência religiosa tradicional hindu e meio de atingir quaisquer níveis de espiritualidade. Se me conseguires mostrar algum texto sagrado hindu ou de intérpretes sérios desta tradição em que tal é referido ficarei deveras surpreendido. E muito me espanta que te refiras por exemplo à pedofilia organizada, quando alguns casos desta ocorrência na hierarquia Católica foram usados habilmente pelos seus inimigos para lhe lançarem dos golpes mais severos quanto à sua credibilidade pública.

    Como na Europa antiga, a sociedade hindu encontra-se segregada por castas, sendo os modos de religiosidade das castas superiores (Kshatrya e Brahma) deveras diferentes da dos Sudras, a classe mais baixa e popular. Tomar exemplos de religiosidade tipicamente popular e deformados e tomá-los pelo todo da alta espiritualidade metafísica hindu, que os antigos Rishis e o próprio Lorde Buddha, uma nobre guerreiro, foram herdeiros, é deveras sacrílego e subversivo, que só é compreensíveis numa ótica de desacreditação e propaganda contra uma religião particular, que acaba por ser usado pelos verdadeiro inimigos que atacam a cada momento todas as formas de verdadeira espiritualidade.

    Acredito que atacar uma religião particular com base nestes argumentos, que podem ser usados contra qualquer religião, é um desfavor que se faz à espiritualidade e devem ser evitados a todo o custo, pois neste momento fazem mais mal que bem.

    Saibamos quem é o verdadeiro inimigo!

    Joao.

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  3. É curioso que menciones os escândalos da Igreja Católica porque são sintomáticos da mesma atitude: quando confrontados com o que devia ser um choque e uma oportunidade para abrir os olhos ao verdadeiro problema, os tradicionalistas (ou uma maioria deles) decidiu fechar os olhos e precisamente argumentar que o ataque tinha unicamente como objectivo descredibilizar a Igreja. E provavelmente tinha. Mas isso devia ter servido para os tradicionalistas limparem a casa. Em vez disso, criaram esse maniqueismo e tentaram defender a Igreja de algo que é absolutamente inominável e indesculpável, porque era preciso defender ****a tradição**** a todo o custo, mesmo que a tradição estivesse completamente degenerada e tivesse virado as costas aos princípios básicos.

    Isto para dizer que não estou numa campanha 'de desacreditação e propaganda', só não acho que religiões panteístas (e respectivas sociedades) sirvam como grande exemplo de moralidade para o Ocidente - para mim pelo menos certamente não servem. Os sítios onde são mais desenvolvidos tecnologicamente são quase tão degenerados como nós, os sítios onde não são, têm os exemplos que eu usei (e muitos outros).

    E para terminar, não, os argumentos que eu usei (que nem sequer eram argumentos, mas sim exemplos concretos), não podem ser usados contra qualquer religião. Os padres sodomitas católicos não violam crianças baseados em doutrina católica, mas em desafio a essa - não o fazem abertamente, nem justificam com as escrituras, mas sim às escuras, precisamente porque a Bíblia e a Igreja condenam - e não dá qualquer margem de manobra possível.

    Como te disse, desprezo o Perenialismo e acho que as falsas equivalências entre religiões e culturas são absurdas e perniciosas. Não quer dizer que não possamos dizer que neste momento algumas culturas não-Cristãs tenham alguns (ou muitos) aspectos superiores ao ocidente secularizado. Mas comparar o ocidente secularizado com a essas culturas nem sequer faz sentido. deviamos comparar o Ocidente Cristão, como era anteriormente, a essas culturas. E aí vê-se claramente que essas culturas são inferiores, moral e materialmente.

    Ao contrário das tradições orientais, o Cristianismo nunca separou o moral do material, pois ambos advém do mesmo. Descurar um é descurar o outro, e vice versa. Daí a parábola dos talentos. Mas eu sei que valorizas mais o ascetismo oriental do que a tradição Cristã, por isso nunca vamos chegar a acordo nesta questão.

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    1. De novo, obrigado pelo comentário.

      4 pontos mais:

      1. Dizer que todas as outras culturas não-Cristãs eram melhores por apenas terem superioridade moral e material parece-me uma generalização forçada e que deve ser evitada, já que, no fundo, uma sociedade de seres morais pode até existir numa sociedade ateísta, se entendermos moralidade em termos meramente puritanos, e não se aplica às noções de espiritualidade elevada que fundaram todas as grandes civilizações do Mundo.

      2. Afirmar que o Cristianismo nunca separou o material e o moral é um erro, já que foi especialmente nas religiões abraâmicas que adveio a noção do espiritual vs. o material, o terreno vs. o céu, o Estado vs. a Palavra. Deixar a 'César o que é de César' e 'O meu Reino não é deste mundo' são duas expressões sintomáticas desta mentalidade. Mais, foi exatamente este argumento de voltar à pureza das escrituras junto à revolta contra a hierarquia terrena da Igreja e das Instituições Católicas (assimiladas ao paganismo e ao Anti-Cristo) que foram o mote para a revolta Luterana e Calvinista, que, como explico no texto, deu azo a um enfoque acentuado aos assuntos terrenos, que se encontravam desgarrados dos assuntos espirituais.

      3. Como já referido noutro local, é errado afirmar que as religiões Orientais são panteístas, já que tal não corresponde de modo nenhum à realidade.

      4. Relativamente ao assunto do Perenialismo, compreendo a tua posição e digo desde já que o dogma de cada religião deve ser mantido sob pena de se perder a validade de cada uma. Os autores perenialistas sérios defendem isto e acreditam que a salvação só pode ser alcançada seguindo estritamente o caminho de cada. Portanto, não existe risco aqui de haver sincretismo, esse sim um mal diabólico. Por fim, parece-me que hoje em dia a defesa do dogma no Ocidente não deve passar por criticar outras civilizações Tradicionais (e obviamente que tal não significa concordar com particulares tradições e costumes), muitas vezes usando argumentos anti-religiosos e capciosos (que são, por transposição, usados pelos inimigos da religião católica), especialmente tendo nós já ultrapassado há muito o ponto de não-retorno. Atacar neste momento os focos ainda sobreviventes de luz espiritual no mundo é fazer o trabalho do inimigo, que sei não ser a tua intenção.


      Abraço,
      João.

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