Saturday, October 21, 2017

Tradução: O Centro Supremo Oculto Durante o Kali-Yuga






Em baixo tradução do capítulo “O Centro Supremo Oculto Durante o Kali-Yuga”, do Livro “O Rei do Mundo”, de René Guénon.

O autor, nesta obra, debruça-se sobre o mito da existência de um ser ou local que, no planeta terra, representaram ou ainda representam o ponto de contacto com a Tradição Primordial e com o Princípio Universal, o qual é referenciado em lendas e mitos tradicionais das mais diversas épocas e geografias, como por exemplo o do Rei Artur, que intui a uma conhecimento esotérico ligado a um centro a ser atingido por um ser eleito dotado de poderes sobrenaturais, ou de Melquisedeque, da qual Jesus Cristo teria sido um Sumo Sacerdote da sua Ordem (Epístola aos Hebreus, 5,10).

Neste curto capítulo, o autor reflecte sobre as possibilidades de existência no Ocidente da manutenção de centros iniciáticos que permitam a transmissão própria deste princípio a quem assim esteja disposto e capacitado, especialmente dadas as presentes condições da humanidade, que desde há milénios se encontra mergulhada na dita “Idade de Ferro”; quem foram os seus legítimos portadores e os processos que levaram ao seu desaparecimento para outras paragens terrestres.


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Agarttha, é dito, nem sempre existiu de forma subterrânea, e não subsistirá assim para sempre. Um dia virá quando, de acordo com Ossendowski, “o povo de Agharti irá sair das grutas e reaparecerá à superfície da terra1”. Antes da sua desaparição do mundo visível, o centro tinha um outro nome já que “Agarttha”, que significa “inalcançável” ou “intangível” (e também “inviolável” assim como é também Salem, “a morada da paz”), ainda não se tinha tornado apropriado. Ossendowski data a sua retirada subterrânea desde há “mais de seis mil anos atrás”, o que corresponde, numa aproximação razoável, ao início do Kali-Yuga, ou a “Idade Negra”, “a Idade de Ferro” do antigo Ocidente, que é o último dos quatros períodos em que o Manvatara está dividido2. O seu reaparecimento deverá portanto coincidir com o fim do mesmo período.

Referência já foi feita a algo que está perdido ou escondido, comunicado em todas as tradições, e a qual é representada por diferentes símbolos; num sentido geral esta perda bate exactamente com as condições da humanidade durante a Kali-Yuga. O período corrente é um de obscurecimento e de confusão3, as suas condições são tais que o conhecimento iniciático deve permanecer escondido enquanto este perdure, o que explica a natureza dos “Mistérios” da antiguidade histórica (a qual não data sequer do início do nosso período)4 e as sociedades secretas de todos os povos. Tais organizações fornecem uma iniciação efectiva apenas onde ainda existe uma autêntica doutrina tradicional, oferecendo apenas uma sombra quando o espírito da doutrina já não vivifica os símbolos que são meramente as suas representações exteriores; isto acontece quando, por diversas razões, a ligação consciente com o supremo centro espiritual do mundo é ultimamente quebrada. Esta perda de uma ligação direta e efectiva com o centro supremo é o aspecto mais significativo da perda de uma tradição, a qual afeta particularmente os centros secundários e dependentes.

É importante compreender que deveríamos estar a falar de algo que se encontra escondido em vez de estar verdadeiramente perdido, porque não se encontra perdido para todos mas é ainda possuído na sua plenitude, apesar de o ser por uns poucos. Isto conduz à possibilidade de alguns a redescobrirem, desde que a busquem da maneira própria, o que significa que a sua intenção deve estar direcionada de tal modo que, através das vibrações harmoniosas que desperta, permite que uma comunicação espiritual efectiva seja feita com o Centro Supremo,5 através da lei das “acções e reações concordantes”.6 Em todas as formas tradicionais a correta intenção é sempre geralmente representada simbolicamente por uma orientação ritual, propriamente direcionada em direcção a algum centro espiritual que – seja qual for – é sempre uma reflexão do verdadeiro “Centro do Mundo”.7 No entanto, à medida que o Kali-Yuga progride, mais difícil se torna alcançar a unidade com este centro, que por sua vez se torna cada vez mais fechado e oculto; ao mesmo tempo esses centros secundários que o representam externamente tornam-se mais raros;8 no entanto quando este período terminar a tradição irá necessariamente de novo manifestar-se na sua totalidade, já que o início de cada Manvantara coincide com o fim do seu predecessor, implicando então o retorno inevitável do “estado primordial” para a humanidade na terra.9

Na Europa, toda a ligação conscientemente estabelecida com o centro através da mediação de organizações ortodoxas encontra-se agora quebrada, como tem estado desde há vários séculos. Esta separação foi gradual, completada em várias etapas sucessivas em lugar de uma só vez.10 A primeira destas quebras ocorreu no início do século catorze, quando uma das principais funções das Ordens de Cavalaria era o de realizar a ligação direta entre o Oriente e o Ocidente. A importância de tal ligação será rapidamente entendida quando é relembrado que o centro tem desde sempre, pelo menos desde os tempos “históricos”, sido descrito como estando localizado no Oriente. Depois da destruição da Ordem dos Templários, a ligação foi mantida de uma forma menos aberta pelos Rosacruzes, ou por aqueles aos quais esse nome foi depois atribuído.11 A Renascença e a Reforma marcaram outra fase crítica, depois da qual, como Saint-Yves parece sugerir, a ruptura completa e final coincidiu com os tratados de Vestefália que acabaram com a Guerra dos Trinta Anos em 1648. É um facto notável, que vários escritores concordam, que os verdadeiros Rosacruzes deixaram a Europa pouco tempo depois da Guerra dos Trinta Anos para se refugiarem na Ásia: será recordado que os adeptos Rosacruzes eram doze, assim como os membros do círculo íntimo de Agarttha: ambos cumpriam, portanto, com a constituição comum a tantos outros centros espirituais formados à imagem do centro supremo.

Desde este último período, o acervo de conhecimento iniciático efectivo não tem sido devidamente mantido por qualquer civilização ocidental. De acordo com Swedenborg, o “Mundo perdido” deve portanto ser procurado entre os Sábios do Tibete e da Tartária, onde o misterioso “Monte dos Profetas” da visão de Anne-Catherine Emmerich também se localiza. A informação fragmentária que a Senhora Blavatsky conseguiu juntar nesta matéria sem a perceber na sua verdadeira acepção – deu nascimento à sua concepção da “Grande Loja Branca”, à qual não deveríamos chamar uma imagem de Agarttha, mas simplesmente uma caricatura ou uma paródia imaginária da mesma.12



1 Estas são as últimas palavras de uma profecia que o “Rei do Mundo” é suposto ter feito em 1890, quando apareceu num mosteiro em Narabanchi.

2 O Manvantara, ou a era de um Manu, também designado por Maha-Yuga, é composto por quatro Yugas ou idades secundárias: Krita-Yuga (ou Satya-Yuga), Treta-Yuga, Dwapara-Yuga e Kali-Yuga, as quais são identificáveis com a “idade do ouro”, “idade de prata”, “idade de bronze” e “idade de ferro”, da antiguidade greco-latina, respetivamente. Na sucessão destes períodos existe um tipo de materialização progressiva resultante de um distanciamento gradual do Princípio que acompanha o desenvolvimento do ciclo de manifestação no mundo corpóreo, desde o “estado primordial”.

3 O início desta idade está, no simbolismo bíblico, representado pela Torre de Babel e pela “confusão das línguas”. Podia-se logicamente pensar que a queda e o dilúvio correspondem ao fim das duas primeiras idades; mas, na realidade, o ponto de partida da tradição hebraica não corresponde ao início do Manvantara. Não deve ser esquecido que as leis cíclicas aplicam-se em diversos graus, para períodos de extensão desigual, os quais que por sua vez por vezes se sobrepõem; portanto, as complicações que, à primeira vista, parecem inextrincáveis e que podem com efeito ser resolvidas apenas por considerar a ordem de subordinação hierárquica dos correspondentes centros tradicionais.

4 Parece que nunca houve reconhecimento do facto de que os historiadores acham praticamente impossível em todas as culturas estabelecerem uma cronologia inquestionável para tudo o que é anterior ao século sexto antes da era Cristã.

5 O que dissemos permite-nos interpretar as seguintes palavras do Evangelho de um modo muito preciso: “procurem, e hão-de encontrar; batam à porta, e ela há-de abrir-se, pois o que pede, recebe; o que procura, encontra; e a quem bate, a porta se abrirá. Aqui deve-se naturalmente referir as indicações que já demos relativo à “boa intenção” e à “boa vontade”; a explicação da expressão Pax in terra hominibus bonae voluntatis [Paz na Terra aos homens de boa vontade] é facilmente compreendida neste contexto.

6 Esta expressão foi emprestada da doutrina Taoista; além disso, entendemos aqui a palavra “intenção” no exato mesmo sentido que o niyah arábico, o qual é assim usualmente traduzido, para além de isto se conformar à etimologia latina (de in-tendere, “tender a).

7 No Islão, esta orientação (qiblah) é como se fosse a materialização, se podemos utilizar a expressão, da intenção (niyah). A orientação das igrejas Cristãs é outro caso particular que está essencialmente ligado a esta ideia.

8 Apenas uma relativa materialização é, claro está, pretendida, já que estes centros secundários têm eles mesmo sido mais ou menos estritamente fechados desde o início do Kali-Yuga.

9 Esta é a manifestação da celestial Jerusalém, que é, em conexão com o ciclo que está a terminar, a mesma coisa que o Paraíso Terrestre em conexão com o ciclo que está a começar, como explicado no livro L´Esoterisme de Dante.

10 Do mesmo modo, de um ponto de vista mais alargado, existem graus para a humanidade nos distantes confins desde o centro primordial, e é a estes graus que a distinção dos diferentes Yugas corresponde.

11 Aqui de novo nos referimos ao nosso estudo L´Esoterisme de Dante, onde fornecemos toda a necessária informação de suporte.


12 Aqueles que entendem todas as considerações aqui expostas irão ver como consequência clara porque não podemos tomar seriamente as muitas pseudo-organizações iniciáticas nascidas no Ocidente contemporâneo: nenhuma delas, se sujeita a um exame rigoroso, poderia provar a menor prova de “regularidade”.

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